Espreitamos pela frente da loja enquanto
Blackie desenha estrelas - uma igual
concentração nesses rostos,
o seu e o do jovem. A mão
é firme e certa;
mas o rapaz não a vê
pois os seus olhos seguem o ponto
que toca (movimento rápido e escuro!)
um braço ainda puro abaixo
da sua manga arregaçada: sustém a respiração.
...Agora que está terminado, ele
paga com algumas notas a Blackie
e sai com uma ligadura no
braço, sob o qual cintilam dez
estrelas, pendendo de um cacho espesso
e azul. Agora ele é como as estrelas.
Thom Gunn
A Destruição do Nada e outros poemas
Relógio d'Água, 1993
Tradução de Maria de Lourdes Guimarães
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A ferida
A enorme ferida na cabeça começou a sarar
No início da sétima semana.
Os seus vales escureceram e as suas aldeias sossegaram:
De alegria não me movia nem ousava falar,
Não a curariam os médicos, mas o tempo com a sua perícia paciente.
E continuamente o meu espírito regressava a Tróia.
Após ter navegado pelos mares, de cada vez lutava
Em ambos os lados, partilhando o júbilo da condição
De Helena, e crescendo - para ver Tróia arder -
Como Neoptólemo, esse rapaz obstinado.
Deitado, eu descansava como estas prescristo.
Planeava com os Gregos e fazia sortidas
Diárias com Heitor. Por fim, a minha cama
Transformou-se na tenda de Aquiles, à qual o rústico
Tersitas vinha relatar os inúmeros mortos.
Era eu próprio: sem estar sujeito ao fôlego de outro homem:
O meu único comandante era o inimigo.
E enquanto o cinturão pendia, a espada na bainha,
Tersitas surgia arrastando-se exausto,
Vociferando a morte do meu amigo Pátroclo.
Gritei pelas armas, ergui-me e não cambaleei.
Mas, quando o pensei, a ira da sua nobre dor
Subiu-me à cabeça e, voltando-me, senti
Que toda a minha ferida se abria. De novo
Tive de deixar sarar aqueles vales iluminados pela tempestade.
Thom Gunn
A Destruição do Nada e outros poemas
Relógio d'Água, 1993
Tradução de Maria de Lourdes Guimarães
No início da sétima semana.
Os seus vales escureceram e as suas aldeias sossegaram:
De alegria não me movia nem ousava falar,
Não a curariam os médicos, mas o tempo com a sua perícia paciente.
E continuamente o meu espírito regressava a Tróia.
Após ter navegado pelos mares, de cada vez lutava
Em ambos os lados, partilhando o júbilo da condição
De Helena, e crescendo - para ver Tróia arder -
Como Neoptólemo, esse rapaz obstinado.
Deitado, eu descansava como estas prescristo.
Planeava com os Gregos e fazia sortidas
Diárias com Heitor. Por fim, a minha cama
Transformou-se na tenda de Aquiles, à qual o rústico
Tersitas vinha relatar os inúmeros mortos.
Era eu próprio: sem estar sujeito ao fôlego de outro homem:
O meu único comandante era o inimigo.
E enquanto o cinturão pendia, a espada na bainha,
Tersitas surgia arrastando-se exausto,
Vociferando a morte do meu amigo Pátroclo.
Gritei pelas armas, ergui-me e não cambaleei.
Mas, quando o pensei, a ira da sua nobre dor
Subiu-me à cabeça e, voltando-me, senti
Que toda a minha ferida se abria. De novo
Tive de deixar sarar aqueles vales iluminados pela tempestade.
Thom Gunn
A Destruição do Nada e outros poemas
Relógio d'Água, 1993
Tradução de Maria de Lourdes Guimarães
Expressão
Ando a ler há várias semanas
a poesia dos mais novos.
A mãe não os compreende
e odeiam o Papá, o ilustre alcoólico.
Escrevem com negra ironia
sobre esgotamentos, hospitais psiquiátricos
e tentativas de suicídio, de que nem sempre
parecem possuir experiência directa.
É uma poesia muito poética.
Visito o Museu de Arte
e dou por mim à procura de qualquer coisa,
sem saber ao certo o quê.
Encontro-a, reconheço-a,
vendo-a pela primeira vez.
Um «retábulo italiano antigo».
A Virgem, a contorno, seus lábios
um laço rubro estranhamente moderno,
ao colo um Menino pequeno como uma boneca.
Este tem o rosto sabedor de um adulto
e uma precoce madeixa em caracol
sobre a testa lisa de bebé. Ela
é maciça e quase simétrica.
Ele não se debate, tão-pouco é solene.
A imagem enfastia, como água
após demasiado bolo de aniversário.
Solidamente ali, mãe e filho
olham em frente, dois pares de olhos idênticos
vazios de expressão.
Thom Gunn
a poesia dos mais novos.
A mãe não os compreende
e odeiam o Papá, o ilustre alcoólico.
Escrevem com negra ironia
sobre esgotamentos, hospitais psiquiátricos
e tentativas de suicídio, de que nem sempre
parecem possuir experiência directa.
É uma poesia muito poética.
Visito o Museu de Arte
e dou por mim à procura de qualquer coisa,
sem saber ao certo o quê.
Encontro-a, reconheço-a,
vendo-a pela primeira vez.
Um «retábulo italiano antigo».
A Virgem, a contorno, seus lábios
um laço rubro estranhamente moderno,
ao colo um Menino pequeno como uma boneca.
Este tem o rosto sabedor de um adulto
e uma precoce madeixa em caracol
sobre a testa lisa de bebé. Ela
é maciça e quase simétrica.
Ele não se debate, tão-pouco é solene.
A imagem enfastia, como água
após demasiado bolo de aniversário.
Solidamente ali, mãe e filho
olham em frente, dois pares de olhos idênticos
vazios de expressão.
Thom Gunn
Fragmento Nocturno
O nevoeiro desce lentamente a colina
E conforme subo mais se adensa:
Fecha-se à minha volta, apodera-se de mim
Como lençóis caídos sobre o chão.
Aqui ficam as últimas e ascendentes ruas,
Galerias, que correm pelas veias do tempo,
Quase familiares, onde rastejo em direcção ao sono
Como nevoeiro e pelo nevoeiro como sono.
Thom Gunn
A Destruição do Nada e outros poemas
Relógio d'Água, 1993
Tradução de Maria de Lourdes Guimarães
E conforme subo mais se adensa:
Fecha-se à minha volta, apodera-se de mim
Como lençóis caídos sobre o chão.
Aqui ficam as últimas e ascendentes ruas,
Galerias, que correm pelas veias do tempo,
Quase familiares, onde rastejo em direcção ao sono
Como nevoeiro e pelo nevoeiro como sono.
Thom Gunn
A Destruição do Nada e outros poemas
Relógio d'Água, 1993
Tradução de Maria de Lourdes Guimarães
A Visão da Morte de um Motociclista Perturbado
Em pleno campo,
Avanço por entre muralhas de chuva
Que me fustiga o rosto e me ensopa os joelhos,
Mas sou o homem que quero ser.
A charneca firme acaba e surge o pântano.
Estamos agora em guerra: quem ganhar
Não conseguirá submeter a minha vontade humana
À natureza embora seja de lá que ela veio.
As rodas afundam-se; o ruído nítido torna-se confuso:
Porém, curvado sobre o volante,
Lanço esta minha máquina que escolhi
Contra a possibilidade de ser um corpo ainda.
A roda da frente penetra com firmeza entre
dois arbustos de um verde esmaltado e insensível
- Gigantesco equilíbrio no contorno
De cada folha lisa. Redemoinhos negros sobem
Em redor do meu pé que, comprimindo com força,
Acelera o sono que espera.
Costumava viver no ruído e desconhecia
A existência da realidade calma ou rastejante,
Mas agora as águas paradas, coladas ao meu rosto
Sob o peso da morte, retiram-me o alento;
Embora angustiado julgo que posso
Mover-me através da matéria. Encontro o meu caminho,
Onde a morte a vida se conjugam,
Através da negra terra que não é minha,
Povoada de fragmentos, embotada, informe,
Enquanto pelos meus ouvidos, enxameados de ruído,
As extremidades brancas das plantas do pântano,
Lentas, sem paciência, espalham-se à vontade
Invulneráveis e flexíveis, e se estendem
Numa posse serena em direcção ao seu fim.
E embora os cogumelos quando eu apodrecer
Me recubram os ossos com lívidos nós,
Até enfunarem os meus fatos, eles fingem
Que este espantalho é de novo um homem,
E é como servos que persistem
Ou, sem qualquer vontade, se contorcem;
E o hábito, pelos homens laboriosamente
Adquirido, não os deixa cansados.
Essa vegetação converte célula após célula
A minha única riqueza em lixo:
Tudo o que obtêm, obtêm-no por acaso.
E multiplicam-se na ignorância.
Avanço por entre muralhas de chuva
Que me fustiga o rosto e me ensopa os joelhos,
Mas sou o homem que quero ser.
A charneca firme acaba e surge o pântano.
Estamos agora em guerra: quem ganhar
Não conseguirá submeter a minha vontade humana
À natureza embora seja de lá que ela veio.
As rodas afundam-se; o ruído nítido torna-se confuso:
Porém, curvado sobre o volante,
Lanço esta minha máquina que escolhi
Contra a possibilidade de ser um corpo ainda.
A roda da frente penetra com firmeza entre
dois arbustos de um verde esmaltado e insensível
- Gigantesco equilíbrio no contorno
De cada folha lisa. Redemoinhos negros sobem
Em redor do meu pé que, comprimindo com força,
Acelera o sono que espera.
Costumava viver no ruído e desconhecia
A existência da realidade calma ou rastejante,
Mas agora as águas paradas, coladas ao meu rosto
Sob o peso da morte, retiram-me o alento;
Embora angustiado julgo que posso
Mover-me através da matéria. Encontro o meu caminho,
Onde a morte a vida se conjugam,
Através da negra terra que não é minha,
Povoada de fragmentos, embotada, informe,
Enquanto pelos meus ouvidos, enxameados de ruído,
As extremidades brancas das plantas do pântano,
Lentas, sem paciência, espalham-se à vontade
Invulneráveis e flexíveis, e se estendem
Numa posse serena em direcção ao seu fim.
E embora os cogumelos quando eu apodrecer
Me recubram os ossos com lívidos nós,
Até enfunarem os meus fatos, eles fingem
Que este espantalho é de novo um homem,
E é como servos que persistem
Ou, sem qualquer vontade, se contorcem;
E o hábito, pelos homens laboriosamente
Adquirido, não os deixa cansados.
Essa vegetação converte célula após célula
A minha única riqueza em lixo:
Tudo o que obtêm, obtêm-no por acaso.
E multiplicam-se na ignorância.
Thom Gunn
A Destruição do Nada e outros poemas
Relógio d'Água, 1993
Tradução de Maria de Lourdes Guimarães
Lázaro não Ressuscitado
Estava na mesma. Os seus amigos em redor do túmulo
Fitavam o seu rosto gorduroso e sereno,
Flutuando na sombra; nada poderia salvar
Agora o seu corpo das areias sob as suas ondas,
Não tendo acontecido o milagre previsto.
Jazia inerte sob aquelas mãos estendidas
Que o chamavam à vida. Embora o esquife
Estivesse pronto para agarrar a vida e as faixas enroladas
Ao seu primeiro movimento soltassem as glândulas geladas,
O milagre previsto não aconteceu.
Ó Lázaro, corpo distendido, assim posto
Resplandescente e sem peso sobre a superfície da morte,
Ergue-te agora, antes de te afundares, porque não ousamos descer
A esse triste pântano onde (gritaram os que choravam)
O milagre previsto não pode acontecer.
Quando pela primeira vez despertou, e lhe foram dados
Pensamentos e alento, escolheu deambular a passos vagarosos
Nos campos da infância, imaginários e seguros
- Semelhantes ao trivial território da morte
(O milagre não tinha acontecido).
Escolheu primeiro entregar-se assim aos pensamentos
E desprezar o que o seduzia na graça oferecida,
E depois, em repouso, escolheu entregar-se ao que deles restava.
Chegou o esforço final, empurrámo-nos
Para ver o planeado milagre acontecer:
Inesperadamente o cadáver pestanejou e abanou a cabeça
Para a seguir se afundar de novo, deslizando da vista sem deixar
Um único vestígio, até alcançar o lodo sobre o mais profundo leito
Do vazio. Escolhera permanecer morto,
O milagre previsto não aconteceu.
Nada mais mudou. Vi alguém perscrutar,
Inclinado-se para a caixa rectangular do espaço.
Os seus amigos tudo tinham feito: sem tal receio,
Sem aquele aterrado resplendor do despertar,
O milagre previsto teria acontecido.
Fitavam o seu rosto gorduroso e sereno,
Flutuando na sombra; nada poderia salvar
Agora o seu corpo das areias sob as suas ondas,
Não tendo acontecido o milagre previsto.
Jazia inerte sob aquelas mãos estendidas
Que o chamavam à vida. Embora o esquife
Estivesse pronto para agarrar a vida e as faixas enroladas
Ao seu primeiro movimento soltassem as glândulas geladas,
O milagre previsto não aconteceu.
Ó Lázaro, corpo distendido, assim posto
Resplandescente e sem peso sobre a superfície da morte,
Ergue-te agora, antes de te afundares, porque não ousamos descer
A esse triste pântano onde (gritaram os que choravam)
O milagre previsto não pode acontecer.
Quando pela primeira vez despertou, e lhe foram dados
Pensamentos e alento, escolheu deambular a passos vagarosos
Nos campos da infância, imaginários e seguros
- Semelhantes ao trivial território da morte
(O milagre não tinha acontecido).
Escolheu primeiro entregar-se assim aos pensamentos
E desprezar o que o seduzia na graça oferecida,
E depois, em repouso, escolheu entregar-se ao que deles restava.
Chegou o esforço final, empurrámo-nos
Para ver o planeado milagre acontecer:
Inesperadamente o cadáver pestanejou e abanou a cabeça
Para a seguir se afundar de novo, deslizando da vista sem deixar
Um único vestígio, até alcançar o lodo sobre o mais profundo leito
Do vazio. Escolhera permanecer morto,
O milagre previsto não aconteceu.
Nada mais mudou. Vi alguém perscrutar,
Inclinado-se para a caixa rectangular do espaço.
Os seus amigos tudo tinham feito: sem tal receio,
Sem aquele aterrado resplendor do despertar,
O milagre previsto teria acontecido.
Thom Gunn
A Destruição do Nada e outros poemas
Relógio d'Água, 1993
Tradução de Maria de Lourdes Guimarães
Em Movimento
O gaio azul arrastando-se por entre os arbustos persegue
Um desígnio oculto, as andorinhas voam em círculos,
E o deleite das aves, que fizeram ninhos nas árvores
E vegetação rasteira, jorra pelos campos.
À procura do seu instinto, do equilíbrio, ou ambos,
Algo que se encaminha com uma violência indefinida
Sob o pó lançado por um sentimento confuso
Ou sob o monótono estrondear de palavras que se aproximam.
Eles surgem ao longo da estrada em motorizadas:
Pequenos, negros, como moscas suspensas no calor, os Rapazes;
À medida que a distância os projecta em frente, o seu zumbido
Sobe até ao trovejar controlado pelas coxas e barriga das pernas:
Com os seus óculos, impersonalidade vestida
Com blusões deslumbrantes ornamentados de pó,
Eles usam cinturões numa incerteza simulada, mas robustos,
E quase entendem um significado no seu barulho.
O limite exacto de toda a sua audácia
Ainda não tem forma, mas de conhecidos paradeiros
Vêm eles, lugares onde os pneus deixam marcas.
Um bando de aves voa assustado pelo campo:
Muito do que é natural tem de render-se a uma vontade.
O homem fabrica a máquina e a alma,
E serve-se do que imperfeitamente controla
Para desafiar um futuro de percursos conquistados.
Afinal trata-se de uma solução parcial.
Qualquer um de nós não está necessariamente desorientado
Sobre a terra; ou é amaldiçoado porque, meio animal,
Lhe falta um instinto imediato, porque desperta
Livre no movimento que divide e separa.
Qualquer um de nós junta-se ao movimento num mundo sem valor,
Escolhendo-o até que, arremessado e arremessador,
Igualmente se mova em frente, em frente.
Um minuto retém os que vieram para partir:
Com determinação, montados sobre a vontade que tinham criado,
Seguem violentos; as cidades que atravessam
Não servem de lares para aves ou para a santidade,
Pois as aves e os santos atingem os seus fins.
Na pior das hipóteses, está-se em movimento, e na melhor,
Sem que se alcance qualquer absoluto apaziguador,
Está-se sempre mais próximo por não estarmos parados.
California
Um desígnio oculto, as andorinhas voam em círculos,
E o deleite das aves, que fizeram ninhos nas árvores
E vegetação rasteira, jorra pelos campos.
À procura do seu instinto, do equilíbrio, ou ambos,
Algo que se encaminha com uma violência indefinida
Sob o pó lançado por um sentimento confuso
Ou sob o monótono estrondear de palavras que se aproximam.
Eles surgem ao longo da estrada em motorizadas:
Pequenos, negros, como moscas suspensas no calor, os Rapazes;
À medida que a distância os projecta em frente, o seu zumbido
Sobe até ao trovejar controlado pelas coxas e barriga das pernas:
Com os seus óculos, impersonalidade vestida
Com blusões deslumbrantes ornamentados de pó,
Eles usam cinturões numa incerteza simulada, mas robustos,
E quase entendem um significado no seu barulho.
O limite exacto de toda a sua audácia
Ainda não tem forma, mas de conhecidos paradeiros
Vêm eles, lugares onde os pneus deixam marcas.
Um bando de aves voa assustado pelo campo:
Muito do que é natural tem de render-se a uma vontade.
O homem fabrica a máquina e a alma,
E serve-se do que imperfeitamente controla
Para desafiar um futuro de percursos conquistados.
Afinal trata-se de uma solução parcial.
Qualquer um de nós não está necessariamente desorientado
Sobre a terra; ou é amaldiçoado porque, meio animal,
Lhe falta um instinto imediato, porque desperta
Livre no movimento que divide e separa.
Qualquer um de nós junta-se ao movimento num mundo sem valor,
Escolhendo-o até que, arremessado e arremessador,
Igualmente se mova em frente, em frente.
Um minuto retém os que vieram para partir:
Com determinação, montados sobre a vontade que tinham criado,
Seguem violentos; as cidades que atravessam
Não servem de lares para aves ou para a santidade,
Pois as aves e os santos atingem os seus fins.
Na pior das hipóteses, está-se em movimento, e na melhor,
Sem que se alcance qualquer absoluto apaziguador,
Está-se sempre mais próximo por não estarmos parados.
California
Thom Gunn
A Destruição do Nada e outros poemas
Relógio d'Água, 1993
Tradução de Maria de Lourdes Guimarães
A Destruição do Nada
Nada é o que permaneceu: nada, o arrojado epíteto
Que pronunciei pela noite tantas vezes até ser transportado
Para um escuro sono, ou o sono que continua um sonho.
Nisto havia uma enorme ausência contagiosa,
Mais espaço do que espaço, sobre a nuvem e o lodo,
Definidos apenas pela sua excessiva oscilação.
Despojado até à indiferença nas curvas do tempo,
Cujo fim eu conhecia, acordei sem um desejo,
E saudei o zero como um paradigma.
Mas agora despedaça-se: as imagens surgem incendiadas
Na calma esfera onde tenho vivido,
Regulando a paisagem ainda intacta:
O poder que imaginava, que presidia
Supremo a devastações abstractas,
É apenas uma mudança; os átomos que o dividiam
Completam, sem o saber, novas combinações.
Apenas descubro uma infinita finitude
Naquelas variações belas e estranhas.
É o desespero de que o nada possa existir
A cintilar no espírito e a deixar uma marca fumegante
De temor.
Olhem para cima. Nem presa nem liberta,
Uma questão inútil paira nas trevas.
Que pronunciei pela noite tantas vezes até ser transportado
Para um escuro sono, ou o sono que continua um sonho.
Nisto havia uma enorme ausência contagiosa,
Mais espaço do que espaço, sobre a nuvem e o lodo,
Definidos apenas pela sua excessiva oscilação.
Despojado até à indiferença nas curvas do tempo,
Cujo fim eu conhecia, acordei sem um desejo,
E saudei o zero como um paradigma.
Mas agora despedaça-se: as imagens surgem incendiadas
Na calma esfera onde tenho vivido,
Regulando a paisagem ainda intacta:
O poder que imaginava, que presidia
Supremo a devastações abstractas,
É apenas uma mudança; os átomos que o dividiam
Completam, sem o saber, novas combinações.
Apenas descubro uma infinita finitude
Naquelas variações belas e estranhas.
É o desespero de que o nada possa existir
A cintilar no espírito e a deixar uma marca fumegante
De temor.
Olhem para cima. Nem presa nem liberta,
Uma questão inútil paira nas trevas.
Thom Gunn
A Destruição do Nada e outros poemas
Relógio d'Água, 1993
Tradução de Maria de Lourdes Guimarães
Misantropo
Arrefeceu. Tenho andado a apanhar lenha,
Com os dedos entorpecidos, quase insensíveis,
Revolvendo folhas quebradiças para encontrar
Galhos húmidos. Tenho andado curvado
Toda a tarde, empilhando-os para secar,
E, toda a tarde, tenho ouvido, vezes sem conta,
Duas notas decrescentes: uma suave e melancólica melodia,
Como se uma ave chamasse, do seu abrigo de ramos,
Agora não, agora não, agora não.
Dos silvados, retiro um a um galhos para queimar.
Surpreendido pela sombra, ergo-me e vejo,
Ficando meio cego, o frio pôr-de-sol vermelho
Por entre os ramos enredados de uma árvore sem folhas.
Recordo-me de anteriores poentes, especialmente um
Que assim coloria o ferro, branco acizentado
E escurecido, e o cimento enrugado de um posto de sentinela
Com o seu alaranjado frio. Deixem-me viver, um segundo,
Agora não, agora não, agora não.
É tão dolorosa e apagada esta recordação,
Embora eu ali também vivesse o dia-a-dia.
Porém a comparação torna-me consciente
Do calor e da luz ténues, que eram
Ou parecem ter sido menos ténues que hoje.
A ave cala-se. Indiferente neste instante isolado
Eu sei que, ouvindo o vento agitar-se num galho,
Sempre hei-de escutar assim um incessante
Agora não, agora não, agora não.
Com os dedos entorpecidos, quase insensíveis,
Revolvendo folhas quebradiças para encontrar
Galhos húmidos. Tenho andado curvado
Toda a tarde, empilhando-os para secar,
E, toda a tarde, tenho ouvido, vezes sem conta,
Duas notas decrescentes: uma suave e melancólica melodia,
Como se uma ave chamasse, do seu abrigo de ramos,
Agora não, agora não, agora não.
Dos silvados, retiro um a um galhos para queimar.
Surpreendido pela sombra, ergo-me e vejo,
Ficando meio cego, o frio pôr-de-sol vermelho
Por entre os ramos enredados de uma árvore sem folhas.
Recordo-me de anteriores poentes, especialmente um
Que assim coloria o ferro, branco acizentado
E escurecido, e o cimento enrugado de um posto de sentinela
Com o seu alaranjado frio. Deixem-me viver, um segundo,
Agora não, agora não, agora não.
É tão dolorosa e apagada esta recordação,
Embora eu ali também vivesse o dia-a-dia.
Porém a comparação torna-me consciente
Do calor e da luz ténues, que eram
Ou parecem ter sido menos ténues que hoje.
A ave cala-se. Indiferente neste instante isolado
Eu sei que, ouvindo o vento agitar-se num galho,
Sempre hei-de escutar assim um incessante
Agora não, agora não, agora não.
Thom Gunn
A Destruição do Nada e outros poemas
Relógio d'Água, 1993
Tradução de Maria de Lourdes Guimarães
O Domesticador e o Falcão
Eu que pensava ser tão duro,
Mas, domado pelas tuas mãos,
Não consigo ser assim veloz
Ao voar para ti e mostrar
Que quando parto, parto
Às tuas ordens.
Até voando lá no alto
Já não sou livre;
Selaste-me com o teu amor,
Cegaste-me para as outras aves...
O hábito das tuas palavras
Vendou-me.
Como antigamente, rodo,
Pairo e volteio,
Mas apenas quero a sensação,
No meu espírito possessivo,
De quem captura e é capturado
Sobre o teu pulso.
Tu, que és quase ignorante,
Ensinaste-me desta maneira.
Por ter apenas olhos
Para ti, receio tudo perder,
Eu que perco para conservar e escolho
O domesticador como presa.
Mas, domado pelas tuas mãos,
Não consigo ser assim veloz
Ao voar para ti e mostrar
Que quando parto, parto
Às tuas ordens.
Até voando lá no alto
Já não sou livre;
Selaste-me com o teu amor,
Cegaste-me para as outras aves...
O hábito das tuas palavras
Vendou-me.
Como antigamente, rodo,
Pairo e volteio,
Mas apenas quero a sensação,
No meu espírito possessivo,
De quem captura e é capturado
Sobre o teu pulso.
Tu, que és quase ignorante,
Ensinaste-me desta maneira.
Por ter apenas olhos
Para ti, receio tudo perder,
Eu que perco para conservar e escolho
O domesticador como presa.
Thom Gunn
A Destruição do Nada e outros poemas
Relógio d'Água, 1993
Tradução de Maria de Lourdes Guimarães
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