Devia ser uma hora da noite
ou uma e meia.
A um canto da taberna,
atrás da divisória de madeira.
Só nós ainda na deserta sala
que um candeeiro mal iluminava.
O criado, obrigado a esperar, adormecera à porta.
Ninguém nos teria visto. Mas, embora,
estávamos os dois tão excitados,
que nada nos faria ter prudência.
A roupa se entreabria... – muito pouca
na ardência de um divino mês de Julho.
Prazer da carne,
por entre a roupa;
o rápido surgir da carne – e a imagem dela
cruzou vinte e seis anos, até vir
a estes versos, para ficar.
Konstandinos Kavafis
(Trad. Jorge de Sena)
Mostrar mensagens com a etiqueta konstandinos kavafis. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta konstandinos kavafis. Mostrar todas as mensagens
Velas
Temos à frente os dias do futuro
como uma fila de velas acesas
– quentes e vivas e douradas velas.
Ficam atrás os dias passados,
fileira triste de velas sem chama:
ainda sobe fumo das que estão mais perto,
vergadas pelas frias que já se apagaram.
Eu não quero vê-las: tanto me entristece o seu ar de agora
como relembrar o fulgor antigo.
Olho à minha frente as velas acesas.
Não vou voltar-me nem vou ver num arrepio
como cresce tanto a fileira escura,
como é tão veloz o apagar das velas.
Konstandinos Kavafis
como uma fila de velas acesas
– quentes e vivas e douradas velas.
Ficam atrás os dias passados,
fileira triste de velas sem chama:
ainda sobe fumo das que estão mais perto,
vergadas pelas frias que já se apagaram.
Eu não quero vê-las: tanto me entristece o seu ar de agora
como relembrar o fulgor antigo.
Olho à minha frente as velas acesas.
Não vou voltar-me nem vou ver num arrepio
como cresce tanto a fileira escura,
como é tão veloz o apagar das velas.
Konstandinos Kavafis
Deslealdade
Ora nós, que elogiamos muita coisa em Homero, não louvaremos
uma [...] Nem Ésquilo, quando faz dizer a Tétis que Apolo, ao
cantar nos seus esponsais, exaltara a sua bela progénie,
de vida isenta de doenças e de longa duração,
Depois que anunciou que de tudo, no meu destino,
cuidariam os deuses,
entoou o péan para minha alegria.
Julgara eu que era sem dolo, de Febo
a boca imortal, plena de arte dos oráculos
E ele, o mesmo que cantou este hino[...]
[...]ele mesmo é que o matou,
esse filho que é meu.
Platão, República II (383a -b)
uma [...] Nem Ésquilo, quando faz dizer a Tétis que Apolo, ao
cantar nos seus esponsais, exaltara a sua bela progénie,
de vida isenta de doenças e de longa duração,
Depois que anunciou que de tudo, no meu destino,
cuidariam os deuses,
entoou o péan para minha alegria.
Julgara eu que era sem dolo, de Febo
a boca imortal, plena de arte dos oráculos
E ele, o mesmo que cantou este hino[...]
[...]ele mesmo é que o matou,
esse filho que é meu.
Platão, República II (383a -b)
Quando casavam Tétis com Peleu
levantou-se Apolo no esplêndido festim
do casamento, e falou da ventura dos recém-casados
com o rebento que sairia da sua união.
Disse: A este nunca lhe tocará a doença
e terá vida longínqua. - Quando disse isto,
Tétis alegrou-se muito, pois as palavras
de Apolo que conhecia de profecias
lhe pareceram garantia para o seu filho.
E enquanto Aquiles crescia, e era
a sua beleza alarde da Tessália,
Tétis lembrava-se da palavra do deus.
Mas um dia chegaram velhos com notícias
e disseram a chacina de Aquiles em Tróia.
E Tétis rasgava a sua roupa púrpura,
e arrancava de cima de si e atirava
ao chão as pulseiras e os anéis.
E por entre seus prantos lembrou-se do passado;
e perguntou o que fazia o sábio Apolo
por onde andava o poeta que nos festins
maravilhosamente fala, por onde andava o profeta
quando matavam o seu filho na flor da vida.
E responderam-lhe os velhos que Apolo
ele próprio desceu a Tróia
e com os troianos matou Aquiles.
Konstandinos Kavafis
Os Poemas
Relógio D`Água, 2005
Tradução, prefácio e notas de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis
Muros
Sem introspecção, sem mágoa, sem pejo
grandes e altos em redor de mim construíram muros.
E fico e desespero agora no que vejo.
Não penso noutra coisa: na minha mente esta sina rasga furos;
porque tantas coisas havia lá fora a fazer por ti.
Quando construíram os muros como é que não reparei, ah.
Mas nunca o som dos pedreiros ou estrondo ouvi.
Imperceptivelmente cerraram-me do mundo que está lá.
Konstandinos Kavafis
Os Poemas
Relógio D`Água, 2005
Tradução, prefácio e notas de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis
grandes e altos em redor de mim construíram muros.
E fico e desespero agora no que vejo.
Não penso noutra coisa: na minha mente esta sina rasga furos;
porque tantas coisas havia lá fora a fazer por ti.
Quando construíram os muros como é que não reparei, ah.
Mas nunca o som dos pedreiros ou estrondo ouvi.
Imperceptivelmente cerraram-me do mundo que está lá.
Konstandinos Kavafis
Os Poemas
Relógio D`Água, 2005
Tradução, prefácio e notas de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis
Ítaca
Quando partires de regresso a Ítaca,
deves orar por uma viagem longa,
plena de aventuras e de experiências.
Ciclopes, Lestrogónios, e mais monstros,
um Poseidon irado — não os temas,
jamais encontrarás tais coisas no caminho,
se o teu pensar for puro, e se um sentir sublime
teu corpo toca e o espírito te habita.
Ciclopes, Lestrogónios, e outros monstros,
Poseidon em fúria — nunca encontrarás,
se não é na tua alma que os transportes,
ou ela os não erguer perante ti.
Deves orar por uma viagem longa.
Que sejam muitas as manhãs de Verão,
quando, com que prazer, com que deleite,
entrares em portos jamais antes vistos!
Em colónias fenícias deverás deter-te
para comprar mercadorias raras:
coral e madrepérola, âmbar e marfim,
e perfumes subtis de toda a espécie:
compra desses perfumes o quanto possas.
E vai ver as cidades do Egipto,
para aprenderes com os que sabem muito.
Terás sempre Ítaca no teu espírito,
que lá chegar é o teu destino último.
Mas não te apresses nunca na viagem.
É melhor que ela dure muitos anos,
que sejas velho já ao ancorar na ilha,
rico do que foi teu pelo caminho,
e sem esperar que Ítaca te dê riquezas.
Ítaca deu-te essa viagem esplêndida.
Sem Ítaca, não terias partido.
Mas Ítaca não tem mais nada para dar-te.
Por pobre que a descubras, Ítaca não te traiu.
Sábio como és agora, senhor de tanta experiência,
terás compreendido o sentido de Ítaca.
Konstandinos Kavafis
90 e Mais Quatro Poemas
Edições Asa, 2003
Tradução de Jorge de Sena
deves orar por uma viagem longa,
plena de aventuras e de experiências.
Ciclopes, Lestrogónios, e mais monstros,
um Poseidon irado — não os temas,
jamais encontrarás tais coisas no caminho,
se o teu pensar for puro, e se um sentir sublime
teu corpo toca e o espírito te habita.
Ciclopes, Lestrogónios, e outros monstros,
Poseidon em fúria — nunca encontrarás,
se não é na tua alma que os transportes,
ou ela os não erguer perante ti.
Deves orar por uma viagem longa.
Que sejam muitas as manhãs de Verão,
quando, com que prazer, com que deleite,
entrares em portos jamais antes vistos!
Em colónias fenícias deverás deter-te
para comprar mercadorias raras:
coral e madrepérola, âmbar e marfim,
e perfumes subtis de toda a espécie:
compra desses perfumes o quanto possas.
E vai ver as cidades do Egipto,
para aprenderes com os que sabem muito.
Terás sempre Ítaca no teu espírito,
que lá chegar é o teu destino último.
Mas não te apresses nunca na viagem.
É melhor que ela dure muitos anos,
que sejas velho já ao ancorar na ilha,
rico do que foi teu pelo caminho,
e sem esperar que Ítaca te dê riquezas.
Ítaca deu-te essa viagem esplêndida.
Sem Ítaca, não terias partido.
Mas Ítaca não tem mais nada para dar-te.
Por pobre que a descubras, Ítaca não te traiu.
Sábio como és agora, senhor de tanta experiência,
terás compreendido o sentido de Ítaca.
Konstandinos Kavafis
90 e Mais Quatro Poemas
Edições Asa, 2003
Tradução de Jorge de Sena
À espera dos bárbaros
Porque esperamos, reunidos na praça?
Hoje devem chegar os bárbaros.
Porque reina a indolência no Senado?
Que fazem os senadores, sentados sem legislar?
É porque hoje vão chegar os bárbaros.
Que hão-de fazer os senadores?
Quando chegarem, os bárbaros farão as leis.
Porque se levantou o Imperador tão de madrugada
e que faz sentado à porta da cidade,
no seu trono, solene, levando a coroa?
É porque hoje vão chegar os bárbaros.
E o imperador prepara-se para receber o chefe.
Preparou até um pergaminho para lhe oferecer, onde pôs
muitos títulos e nomes honoríficos.
Porque é que os nossos cônsules, e também os pretores,
hoje saem com togas vermelhas bordadas?
Porquê essas pulseiras com tantos ametistas
e esses anéis com esmeraldas resplandecentes?
Porque empunham hoje bastões tão preciosos
tão trabalhados a prata e ouro?
Hoje vão chegar os bárbaros,
e estas coisas deslumbram os bárbaros.
Porque não vêm, como sempre, os ilustres oradores
a fazer-nos seus discursos, dizendo o que têm para nos dizer?
Hoje vão chegar os bárbaros;
e, a eles, aborrece-os os discursos e a retórica.
E que vem a ser esta repentina inquietação, esta desordem?
(Que caras tão sérias tem hoje o povo.)
Porque é que as ruas e as praças vão ficando vazias
e regressam todos, tão pensativos, a suas casas?
É porque anoiteceu e os bárbaros não vieram.
E da fronteira chegou gente
dizendo que os bárbaros já não vêm.
E agora que será de nós sem bárbaros?
De certo modo, essa gente era uma solução.
Konstandinos Kavafis
Os Poemas
Relógio D`Água, 2005
Tradução, prefácio e notas de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis
Hoje devem chegar os bárbaros.
Porque reina a indolência no Senado?
Que fazem os senadores, sentados sem legislar?
É porque hoje vão chegar os bárbaros.
Que hão-de fazer os senadores?
Quando chegarem, os bárbaros farão as leis.
Porque se levantou o Imperador tão de madrugada
e que faz sentado à porta da cidade,
no seu trono, solene, levando a coroa?
É porque hoje vão chegar os bárbaros.
E o imperador prepara-se para receber o chefe.
Preparou até um pergaminho para lhe oferecer, onde pôs
muitos títulos e nomes honoríficos.
Porque é que os nossos cônsules, e também os pretores,
hoje saem com togas vermelhas bordadas?
Porquê essas pulseiras com tantos ametistas
e esses anéis com esmeraldas resplandecentes?
Porque empunham hoje bastões tão preciosos
tão trabalhados a prata e ouro?
Hoje vão chegar os bárbaros,
e estas coisas deslumbram os bárbaros.
Porque não vêm, como sempre, os ilustres oradores
a fazer-nos seus discursos, dizendo o que têm para nos dizer?
Hoje vão chegar os bárbaros;
e, a eles, aborrece-os os discursos e a retórica.
E que vem a ser esta repentina inquietação, esta desordem?
(Que caras tão sérias tem hoje o povo.)
Porque é que as ruas e as praças vão ficando vazias
e regressam todos, tão pensativos, a suas casas?
É porque anoiteceu e os bárbaros não vieram.
E da fronteira chegou gente
dizendo que os bárbaros já não vêm.
E agora que será de nós sem bárbaros?
De certo modo, essa gente era uma solução.
Konstandinos Kavafis
Os Poemas
Relógio D`Água, 2005
Tradução, prefácio e notas de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis
Subscrever:
Mensagens (Atom)