Devo, sobre as ruínas que aí vêm,
construir os poemas
e exercer a alegria de viver,
mesmo com o barulho
que se avoluma além, naquela linha
que separa o horizonte imediato
do dia de hoje, campo raso
onde os corpos procuram esconder-se
para se amarem
e a ternura se torna urgente,
porque o tropel de escombros
cresce ao entardecer e ameaça
o repouso da noite e o índigo da manhã.
O tempo escasso apressa o desejo
e qualquer lugar serve para o amor.
Raramente sorrimos,
mas um afago brilha contra
os ruídos do asfalto e do betão
a quebrarem-se, cada vez mais próximos.
Nuno Dempster
daqui
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Evocação
Cansei-me deste exílio de onde há dias
fugi na direcção do mar. A gente
abandonara a praia, os gritos e os navios,
que nunca navegaram, tinham fundeado
na areia onde as gaivotas devoravam
as pegadas humanas, deixando as suas
que o vento apagaria à noite,
e as ondas repetiam a espúria eternidade.
Que mais posso dizer? Que fui eu quem voltou
ao exílio, que os cedros escurecem,
que os dias não tornaram mais com alegria,
que vejo na cidade, em janelas como esta,
caminhos incompletos atrás das vidraças
e, à distância, outra larga frente ao mar,
onde, olhando, o teu vulto permanece.
Nuno Dempster
Dispersão - Poesia Reunida
Edições Sempre-Em-Pé, 2008
fugi na direcção do mar. A gente
abandonara a praia, os gritos e os navios,
que nunca navegaram, tinham fundeado
na areia onde as gaivotas devoravam
as pegadas humanas, deixando as suas
que o vento apagaria à noite,
e as ondas repetiam a espúria eternidade.
Que mais posso dizer? Que fui eu quem voltou
ao exílio, que os cedros escurecem,
que os dias não tornaram mais com alegria,
que vejo na cidade, em janelas como esta,
caminhos incompletos atrás das vidraças
e, à distância, outra larga frente ao mar,
onde, olhando, o teu vulto permanece.
Nuno Dempster
Dispersão - Poesia Reunida
Edições Sempre-Em-Pé, 2008
Anti-elegia para o meu final
Há-de surgir o dia em que a memória
será um salão vago de onde levaram
os móveis, os espelhos, o riso que ecoava,
e os rios deixarão de correr só um momento
e um veleiro arderá suspenso em suas rotas
com uma chama fria, foto de um instante
congelado no tempo em que os rostos são
um pira, onde o lume de neve os queimará
sem ruído e sem pena, porque tudo se gasta,
e as palavras, que deram nome a seres e a coisas,
serão a nulidade mais cansada
e, por tanto as saber, as escusava,
e nada ser verdade senão a hora breve,
mesmo essa sem mais importância,
que é de imagens que os olhos sobrevivem
e fugazes se tenham ido a correr,
e ninguém pertencendo, nem mesmo a elas,
porque o passado então será
inútil o futuro, e o presente arderá,
e rio-me com esta subversão, este fósforo,
esta chama de tempo confuso
diante de um antigo deus que usava
lítico em seus altares
o tempo como um ceptro poderoso.
Nuno Dempster
Dispersão - Poesia Reunida
Edições Sempre-Em-Pé, 2008
será um salão vago de onde levaram
os móveis, os espelhos, o riso que ecoava,
e os rios deixarão de correr só um momento
e um veleiro arderá suspenso em suas rotas
com uma chama fria, foto de um instante
congelado no tempo em que os rostos são
um pira, onde o lume de neve os queimará
sem ruído e sem pena, porque tudo se gasta,
e as palavras, que deram nome a seres e a coisas,
serão a nulidade mais cansada
e, por tanto as saber, as escusava,
e nada ser verdade senão a hora breve,
mesmo essa sem mais importância,
que é de imagens que os olhos sobrevivem
e fugazes se tenham ido a correr,
e ninguém pertencendo, nem mesmo a elas,
porque o passado então será
inútil o futuro, e o presente arderá,
e rio-me com esta subversão, este fósforo,
esta chama de tempo confuso
diante de um antigo deus que usava
lítico em seus altares
o tempo como um ceptro poderoso.
Nuno Dempster
Dispersão - Poesia Reunida
Edições Sempre-Em-Pé, 2008
Ítaca
___Quando partires, em direcção a Ítaca,
___que a tua jornada seja longa (...)
___ Konstantinos Kavafis
Se ao longe imaginares Ítaca,
que não te dê saudades.
Uma ilha é um monte sem caminhos.
Descansam nela as aves migratórias,
e a gente que a povoa
gasta o tempo a sonhar aonde irão
as aves no seu alto voo
quando partirem.
E sobretudo Ulisses há-de
segui-las com os olhos,
lembrando-se de Circe.
O azul, digo-te, é uma cor volúvel,
e o céu e o mar são só desertos.
Nuno Dempster
Dispersão - Poesia Reunida
Edições Sempre-Em-Pé, 2008
___que a tua jornada seja longa (...)
___ Konstantinos Kavafis
Se ao longe imaginares Ítaca,
que não te dê saudades.
Uma ilha é um monte sem caminhos.
Descansam nela as aves migratórias,
e a gente que a povoa
gasta o tempo a sonhar aonde irão
as aves no seu alto voo
quando partirem.
E sobretudo Ulisses há-de
segui-las com os olhos,
lembrando-se de Circe.
O azul, digo-te, é uma cor volúvel,
e o céu e o mar são só desertos.
Nuno Dempster
Dispersão - Poesia Reunida
Edições Sempre-Em-Pé, 2008
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