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Vida, vida

1

Não acredito em pressentimentos, nem agoiros
Me assustam. Não evito a calúnia
Ou o veneno. Não há morte sobre a terra.
Todos são imortais. Tudo é imortal. Não há
Que ter medo da morte aos sete
Nem aos setenta. O real e a luz
Existem, mas não a morte ou a treva.
Viemos hoje à enseada,
E o cardume da imortalidade veio
Quando eu puxava as redes.



Arsenii Tarkovskii

8 Ícones
Assírio & Alvim, 1987
Tradução de Paulo da Costa Domingos

3.

Escolho uma idade à minha medida.
Guia-nos o sul, com redemoinhos de pó sobre a estepe;
Renques daninhos, pragas de gafanhotos,
As cintilações faiscantes das ferraduras polidas,
Tudo profetizava - visões
De monge - que eu iria perecer.
Peguei no destino, atei-o à sela;
E agora que estou no futuro, permaneço
Hirto nos estribos como uma criança.



Arsenii Tarkovskii
8 Ícones
Assírio e Alvim, 1987
Tradução de Paulo da Costa Domingos

Os primeiros encontros

Cada momento passado juntos
Era uma celebração, uma Epifania,
Nós os dois sozinhos no mundo.
Tu, tão audaz, mais leve que uma asa,
Descias numa vertigem a escada
A dois e dois, arrastando-me
Através de húmidos lilases, aos teus domínios
Do outro lado, passando o espelho.

Pela noite concedias-me o favor,
Abriam-se as portas do altar
E a nossa nudez iluminava o escuro
À medida que genuflectia. E ao acordar
Eu diria "Abençoada sejas!"
Sabendo como pretensiosa era a benção:
Dormias, os lilases tombavam da mesa
Para tocar-te as pálpebras num universo de azul,
E tu recebias esse sinal sobre as pálpebras
Imóveis, e imóvel estava a tua mão quente.

Rios palpitantes por dentro do cristal,
A montanha assomando na bruma, mar enfurecido,
Sentada num trono enquanto dormes,
___ Deus do céu! ___ tu pertences-me.
Acordas para transfigurar
As palavras de todos os dias,
E o teu discorrer transbordante
De poder revela na palavra "tu"
O seu novo sentido: sigifica "rei".
Simples objectos transfigurados,
Tudo ___ a bacia, o jarro ___, tudo
Uma vez de sentinela entre nós
Se torna límpido, laminar e firme.

Íamos, sem saber para onde,
Perseguidos por miragens de cidades
Derrotadas construídas no milagre,
Hortelã pimenta aos nossos pés,
As aves acompanhando-nos o voo,
E no rio os peixes à procura da nascente;
O céu, a nós se abrindo.

Porque o destino seguia-nos o rastro
Como um louco com uma navalha na mão.



Arsenii Tarkovskii
8 Ícones
Assírio e Alvim, 1987
Tradução de Paulo da Costa Domingos