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A ameaça

O lixo dourado dos anos
foi-me habituando a viver por entre sonhos;
nenhum sorriso se me desvanece na memória;
os olhos que uma vez me olharam
estimulantes ou talvez sem me verem
continuam fixos em mim para sempre;
uma distraída palavra amável
acende a fogueira para o Inverno todo;
um qualquer amor incipiente
que mal chega a ser amor
transforma-se numa árvore imensa
cujos ramos
me protegem da inclemência do sol.
Pedra a pedra construí uma casa
sem portas nem janelas,
um jardim
do tamanho do mundo,
uma cela
onde me encerro com todas as coisas
que amo.

Algumas noites saio,
coração bem protegido,
buscando o botim: um pretexto,
um mínimo pretexto adolescente,
para continuar sonhando.
E esta manhã
ao despertar
atónito compreendo
que continuas sorrindo nos meus braços.
Não és um sonho, tu, estou perdido.


José Luis Garcia Martín
Principios y finales
Comares, 1997
Tradução de A.M.

Encontro

Do fundo do sonho
uma mão me estendes.
Uma mão cortada
que me acaricia e foge.
Eu busco-a sem pressa
pelos cantos e livros.
Encontro só lábios,
estações, cigarros,
crianças a despedir-se,
umas gotas de sangue.
Pelo fundo do sonho
afastas-te devagar.
Quero gritar teu nome,
mas não sei quem és.
Na rua deserta,
ao dobrar a esquina,
viras-te a olhar-me
e sou eu quem me olha.


José Luis García Martín
Lección sobre la sombra
(1972)

Tradução A.M.

Encontro

Do fundo do sonho
uma mão me estendes.
Uma mão cortada
que me acaricia e foge.
Eu busco-a sem pressa
pelos cantos e livros.
Encontro só lábios,
estações, cigarros,
crianças a despedir-se,
umas gotas de sangue.
Pelo fundo do sonho
afastas-te devagar.
Quero gritar teu nome,
mas não sei quem és.
Na rua deserta,
ao dobrar a esquina,
viras-te a olhar-me
e sou eu quem me olha.

José Luis García Martin
Lección sobre la sombra
(1972)

Tradução A.M.

Elogio do olvido

Para quê escrever um nome nas paredes,
manchar com torpes traços a brancura
deslumbrante, impoluta, do nada?
Para quê este vão empenho de ir deixando sinais,
de escrever na areia, ao abrigo do vento,
triviais misérias que te conformam a vida?
Sobre as linhas teimosas que esboçam um rosto
há-de passar a mão piedosa dos anos
apagando letras, sílabas, palavras sem sentido.
O papel em que escreves voltará a estar em branco.
E haverá ventura maior do que não ter sido?


José Luis García Martín
El pasajero (1992)

Tradução A.M.