Mostrar mensagens com a etiqueta boris vian. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta boris vian. Mostrar todas as mensagens
Custou-me dizer tudo aquilo: tinha dificuldade em encontrar as palavras certas. Ela ali estava, com os olhos fechados, deitada no chão com a saia levantada até ao ventre. Tornei a sentir aquela coisa que me vinha pelas costas e a minha mão apertou-lhe a garganta sem que eu mo pudesse impedir; e apareceu; era tão forte que a larguei e quase me pus de pé. Ela já tinha o rosto azulado, mas não se mexia. Deixara-se estrangular sem reagir. Ainda devia respirar. Peguei no revólver de Lou que tinha no bolso e disparei-lhe duas balas no pescoço, quase à queima-roupa; o sangue começou a jorrar aos borbotões, devagar, em golfadas, com um ruído húmido. Dos seus olhos só se via uma linha branca através das pálpebras; ela teve uma espécie de contracção e acho que foi nesse instante que ela morreu. Virei-a para não lhe ver mais a cara e, enquanto estava ainda quente, fiz-lhe o que já lhe fizera no quarto.



Boris Vian

Irei cuspir-vos nos túmulos
Relógio d'Água, 2003
Tradução de Maria João Costa Pereira
Empurrou os cobertores com dificuldade. As pernas magras, onduladas por cinco dias de repouso, estendiam-se na sua frente. Contemplou-as sem entusiasmo, tentando alisá-las com a palma da mão e, desistindo, sentou-se na beira da cama e levantou-se com esforço. Por causa das pernas tinha perdido uns bons cinco centímetros. Encheu o peito de ar e as costelas estalaram. A pontada deixava marcas. O roupão caía-lhe em longas dobras flácidas sobre as nádegas encovadas. os lábios amolecidos e os dedos inchados já não lhe permitiam tocar pífaro, foi o que ele logo constatou.
Abatido, deixou-se cair sobre uma cadeira com a cabeça entre as mãos. Os seus dedos apalpavam maquinalmente as têmporas e a testa pesada.



Boris Vian

As Formigas
Relógio d'Água, 2004
Tradução de Jaime Rocha

Tudo foi dito cem vezes

Tudo foi dito cem vezes
E muito melhor que por mim
Portanto quando escrevo versos
É porque isso me diverte
É porque isso me diverte
É porque isso me diverte e cago-vos na tromba



Boris Vian
Canções e Poemas
Assírio & Alvim, 1997
Tradução de Irene Freire Nunes e Fernando Cabral Martins

Um bom par de chapadas

Quando se está completamente farto
Quando se esgotou tudo
O vinho o amor as cartas
Quando se perdeu o vício
Das sopas de camarões
Das salsichas de Sarthe
Quando a visão de um strip-tease
Nos faz dizer: que parvoíce
Não arranjaram melhor
Ainda resta um jeito
Que nunca perde o efeito
De ver a vida a cor-de-rosa

Um par de chapadas na tromba
Um bom pontapé no cu
Um murraço nas queixadas
Dá-nos outra juventude
Um bom par de chapadas na tromba
Um directo em cheio no estômago
Os dedos dos pés debaixo duma mó
Um biqueiro em pleno trálálá
Apaga tudo, a droga e a aspirina
Os espinafres, o snif e a Badoit
É mais bacana que o foie gras em terrina
Pois é menos caro e não engorda
Um bom par de chapadas na tromba
E a vida volta a ter valor
Numa manhã em que nos sintamos sós
Toca a partir a cara entre amigos

Quando ela deu de frosque
Levando o dinheiro
E a máquina de costura
Deixando-nos o lava-louça
Cheio de louça por lavar
E sal no pote do açúcar
Quando o nosso melhor amigo
Telefona no dia seguinte
Dizendo: vem-na buscar
A gente casquina e pensa
Espera um pouco Hortência
Vais ver o que vais levar

Um par de chapadas na tromba
Um bom pontapé no cu
Um murraço nas queixadas
Dá-nos outra juventude
Um bom par de chapadas na tromba
Um directo em cheio no estômago
Os dedos dos pés debaixo duma mó
Um biqueiro em pleno trálálá
Aborrecias-te no meu quartinho
Suspiravas, querias coisa nova
Doravante de Janeiro a Dezembro
Conta comigo para te servir à descrição
Um bom par de chapadas na tromba
Isso há-de consolar-me minha rica
Dos serões em que manipulavas
O rolo da massa
______________Toma lá cabra.



Boris Vian
Canções e Poemas
Assírio & Alvim, 1997
Tradução de Irene Freire Nunes e Fernando Cabral Martins