Atravessar o túnel verde
onde se abriga o morcego
das feridas do dia.
Súbitos hiatos nas copas
tornam a estrada incerta.
Ora sombra ora lua,
um bosque rarefeito.
Pensar que ainda caminho
nos tempos da quimera,
não por estradas secas
mas por canais de ruído
das mil folhas silentes.
O morcego doendo-se
bem o vejo, tarde adiante
a perpassar sobre mim.
Os seus olhos são chagas
que não suportam a vida.
Fiama Hasse Pais Brandão
Cenas vivas
Relógio D'Água, 2000
Mostrar mensagens com a etiqueta fiama hasse pais brandão. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta fiama hasse pais brandão. Mostrar todas as mensagens
No laranjal
O caseiro tem um lugar cativo no laranjal,
que não é o da memória, mas o da suspeita,
tal como os lugares dos vivos. Por exemplo,
se tu estás, vejo-te porque suspeito
de que a tua presença veio. Suspeito de mim
porque te reconheci. E tão grande alegria
dão os vivos quanta os mortos,
quando, como o caseiro, pegam na enxada
ou na navalha, aparam um pequeno ramo,
para a enxertia. Tu, meu amante morto,
vieste também, porque há tanto tempo suspeito
de que a tua presença, agora insubstancial,
não caberia nunca na memória. Fosses tu
um homem dos ofícios rurais, e ainda habitarias
os campos, não, nunca, na memória, mas aqui.
Ou tal como os outros mortos cuidadosos,
em corpo visto, na luz reconhecida,
nesta suspeita que recebo do real,
como se eu tentasse entender uma pintura eterna.
Fiama Hasse Pais Brandão
Cenas vivas
Relógio D'Água, 2000
que não é o da memória, mas o da suspeita,
tal como os lugares dos vivos. Por exemplo,
se tu estás, vejo-te porque suspeito
de que a tua presença veio. Suspeito de mim
porque te reconheci. E tão grande alegria
dão os vivos quanta os mortos,
quando, como o caseiro, pegam na enxada
ou na navalha, aparam um pequeno ramo,
para a enxertia. Tu, meu amante morto,
vieste também, porque há tanto tempo suspeito
de que a tua presença, agora insubstancial,
não caberia nunca na memória. Fosses tu
um homem dos ofícios rurais, e ainda habitarias
os campos, não, nunca, na memória, mas aqui.
Ou tal como os outros mortos cuidadosos,
em corpo visto, na luz reconhecida,
nesta suspeita que recebo do real,
como se eu tentasse entender uma pintura eterna.
Fiama Hasse Pais Brandão
Cenas vivas
Relógio D'Água, 2000
Krefeld 1948?
Crianças rodeavam vivas
a bruxa perversa, figura de madeira,
num parque verde e ameno. Mas como ordenar
as imagens na cena?
Crianças, também em figuras de madeira,
outras em carne viva, nascidas da morte.
Fiama Hasse Pais Brandão
Cenas vivas
Relógio D'Água, 2000
a bruxa perversa, figura de madeira,
num parque verde e ameno. Mas como ordenar
as imagens na cena?
Crianças, também em figuras de madeira,
outras em carne viva, nascidas da morte.
Fiama Hasse Pais Brandão
Cenas vivas
Relógio D'Água, 2000
Lápides
O mar bate como se o sopro
do separar as águas de novo
rasgasse a terra alcantilada.
Não o vejo, mas ao longe
oiço, no êxtase, o rumor
das ondas infinitamente. Nós
calamo-nos, ouvindo a voz
interior apenas, e pensamos
nos livros que consubstanciam
a separação entre terra e água.
Levem-me ao paraíso dos abutres,
das pedras quentes e secas onde o corpo
mirra e mais se adentra na leveza.
Levem-me, morta, à planície azul
dos magros vultos crepusculares das hienas.
Sem os ecos dos uivos que me
derrubarão como as trombetas velhas.
Não deixem que os mil vermes
me rojem na alheia poeira.
Venham os bicos de aves e as fauces
a procurar-me a alma. Em círculos
circundem-me mais estreitos,
até que eu seja estaca e osso
no centro do seu espaço. Não quero
jazer eternamente morta e ignota
na oca solidão da carne. Venham
as aves irmãs, os cães selvagens
que eu invoco, voláteis, nos poemas.
Temo correr para mais longe do que a fábula
que é a carreira longínqua vida adentro.
Ignoro como moveria o corpo para além,
quando o pensamento vê praias e arvoredos.
Não sei deslocar-me inteira para a cena
onde enfim poderia ter visão inteira.
Se eu pudesse alcançar tudo sem o percurso
que dizem ser uma dádiva da morte.
Recordo em tom maior a avó canora
no seu boudoir ao espelho brancamente.
Brancamente cabelos enrolavam-se
no espaço em derredor tão vago.
Recordo o balançar da forma oval
do espelho e da imagem reflectida:
das brancas mãos caída imagem
da boca e de poemas recitados.
Fiama Hasse Pais Brandão
Cenas vivas
Relógio D'Água, 2000
do separar as águas de novo
rasgasse a terra alcantilada.
Não o vejo, mas ao longe
oiço, no êxtase, o rumor
das ondas infinitamente. Nós
calamo-nos, ouvindo a voz
interior apenas, e pensamos
nos livros que consubstanciam
a separação entre terra e água.
Levem-me ao paraíso dos abutres,
das pedras quentes e secas onde o corpo
mirra e mais se adentra na leveza.
Levem-me, morta, à planície azul
dos magros vultos crepusculares das hienas.
Sem os ecos dos uivos que me
derrubarão como as trombetas velhas.
Não deixem que os mil vermes
me rojem na alheia poeira.
Venham os bicos de aves e as fauces
a procurar-me a alma. Em círculos
circundem-me mais estreitos,
até que eu seja estaca e osso
no centro do seu espaço. Não quero
jazer eternamente morta e ignota
na oca solidão da carne. Venham
as aves irmãs, os cães selvagens
que eu invoco, voláteis, nos poemas.
Temo correr para mais longe do que a fábula
que é a carreira longínqua vida adentro.
Ignoro como moveria o corpo para além,
quando o pensamento vê praias e arvoredos.
Não sei deslocar-me inteira para a cena
onde enfim poderia ter visão inteira.
Se eu pudesse alcançar tudo sem o percurso
que dizem ser uma dádiva da morte.
Recordo em tom maior a avó canora
no seu boudoir ao espelho brancamente.
Brancamente cabelos enrolavam-se
no espaço em derredor tão vago.
Recordo o balançar da forma oval
do espelho e da imagem reflectida:
das brancas mãos caída imagem
da boca e de poemas recitados.
Fiama Hasse Pais Brandão
Cenas vivas
Relógio D'Água, 2000
Do Amor I
A névoa disse à árvore:
tu, cedro, perdes a tua forma,
se eu te abraço. Disse
o cedro: o Sol ama-me mais,
toma o meu corpo inteiro
no seu corpo e dá-lhe
ser, figura.
Fiama Hasse Pais Brandão
As Fábulas
Edições Quasi, 2002
tu, cedro, perdes a tua forma,
se eu te abraço. Disse
o cedro: o Sol ama-me mais,
toma o meu corpo inteiro
no seu corpo e dá-lhe
ser, figura.
Fiama Hasse Pais Brandão
As Fábulas
Edições Quasi, 2002
Do Amor II
Ver o cortejo de cedros
e acreditar que é o cenário.
Depois estender a mão
através da longa perspectiva
oblíqua e poder palpar,
na pele, que também os cedros
têm corpos húmidos, saliva,
à espera do Amor.
Fiama Hasse Pais Brandão
As Fábulas
Edições Quasi, 2002
e acreditar que é o cenário.
Depois estender a mão
através da longa perspectiva
oblíqua e poder palpar,
na pele, que também os cedros
têm corpos húmidos, saliva,
à espera do Amor.
Fiama Hasse Pais Brandão
As Fábulas
Edições Quasi, 2002
Do Amor III
Se alguém descrevesse
o meu rosto, pálpebra
a pálpebra, aleta a aleta
no nariz, a curva
de lábio a lábio,
a fronte agora, a face depois
eu poderia desdenhar
da solitária alheada
imagem num espelho.
Fiama Hasse Pais Brandão
As Fábulas
Edições Quasi, 2002
o meu rosto, pálpebra
a pálpebra, aleta a aleta
no nariz, a curva
de lábio a lábio,
a fronte agora, a face depois
eu poderia desdenhar
da solitária alheada
imagem num espelho.
Fiama Hasse Pais Brandão
As Fábulas
Edições Quasi, 2002
Do Amor IV
Esta vista de mar, solitariamente,
dói-me. Apenas dois mares,
dois sóis, duas luas
me dariam riso e bálsamo.
A arte da Natureza pede
o amor em dois olhares.
Fiama Hasse Pais Brandão
As Fábulas
Edições Quasi, 2002
dói-me. Apenas dois mares,
dois sóis, duas luas
me dariam riso e bálsamo.
A arte da Natureza pede
o amor em dois olhares.
Fiama Hasse Pais Brandão
As Fábulas
Edições Quasi, 2002
Anjo que eu assassino
Só agora experimento espelhar a angústia
numa superfície que reflecte. Não pen-
sei nunca que o Poema fosse permeável.
E só agora me pesa este objecto cor
de pálpebra que me oculta visualmente.
Decifrem-me. Tenho na verdade o corpo dócil.
O verdadeiro equilíbrio do meu corpo prende-se
a fios ténues. Daqui até às hipóteses.
O esquecimento aproxima-se. São os poemas
que me tapam a visão. Com esta espessura
diante de mim eu já não Te vejo. Afasta es-
tas imagens usuais que foram postas
nos meus ombros. A minha liberdade depende
de um acto mágico. Terás de dissolver
este papel. Chamar limpidamente como eu
já ouvi chamares-me. O poema encobre-
-Te. Escrever assim é trespassar-me
até à minha alma dupla no Poema.
Fiama Hasse Pais Brandão
Obra Breve - Poesia Reunida
Assírio & Alvim, 2006
numa superfície que reflecte. Não pen-
sei nunca que o Poema fosse permeável.
E só agora me pesa este objecto cor
de pálpebra que me oculta visualmente.
Decifrem-me. Tenho na verdade o corpo dócil.
O verdadeiro equilíbrio do meu corpo prende-se
a fios ténues. Daqui até às hipóteses.
O esquecimento aproxima-se. São os poemas
que me tapam a visão. Com esta espessura
diante de mim eu já não Te vejo. Afasta es-
tas imagens usuais que foram postas
nos meus ombros. A minha liberdade depende
de um acto mágico. Terás de dissolver
este papel. Chamar limpidamente como eu
já ouvi chamares-me. O poema encobre-
-Te. Escrever assim é trespassar-me
até à minha alma dupla no Poema.
Fiama Hasse Pais Brandão
Obra Breve - Poesia Reunida
Assírio & Alvim, 2006
Anjo enlouquecido pelo tempo
Esmaga-Te um grande círculo que eram
as ruas. Vi-Te ao longe tactear
e correr. Despedi-me a olhar o Teu pânico.
Da varanda vi as ruas que eram sórdidas.
Naquela luz de verão tu estavas nítido.
Os despojos das flores roxas emaranhados
nos Teus pés no alcatrão escuro
esvoaçavam. Automóveis esbatiam-te
a figura. Qualquer eco ao partires
havia de morrer. Pedras tornavam
as ruas uma paisagem onde cabeceavas.
Tu partias arrastado pelo Tempo.
Assim como eu ficava a Ver-te ao longe
entre as folhas. Grandes copas verdes
todas de flores minúsculas escondem
o resto dos teus movimentos. Dócil ante
o destino eu imagino-Te. Tu eras frágil
como as minhas sílabas vagarosas.
Fiama Hasse Pais Brandão
Obra Breve - Poesia Reunida
Assírio & Alvim, 2006
as ruas. Vi-Te ao longe tactear
e correr. Despedi-me a olhar o Teu pânico.
Da varanda vi as ruas que eram sórdidas.
Naquela luz de verão tu estavas nítido.
Os despojos das flores roxas emaranhados
nos Teus pés no alcatrão escuro
esvoaçavam. Automóveis esbatiam-te
a figura. Qualquer eco ao partires
havia de morrer. Pedras tornavam
as ruas uma paisagem onde cabeceavas.
Tu partias arrastado pelo Tempo.
Assim como eu ficava a Ver-te ao longe
entre as folhas. Grandes copas verdes
todas de flores minúsculas escondem
o resto dos teus movimentos. Dócil ante
o destino eu imagino-Te. Tu eras frágil
como as minhas sílabas vagarosas.
Fiama Hasse Pais Brandão
Obra Breve - Poesia Reunida
Assírio & Alvim, 2006
Anjo de papel ou de água?
Se Tu não voltares estes poemas hão-de tor-
nar-se trágicos. O texto vai revelar a
cicatriz de seda e os laivos claros do meu
choro. A contra-coração vou reescrevê-los.
Hei-de encontrar aqui uma placa lisa
para arrastar as letras até à regueira
turva. A imagem da água que era a de uma
simbiose entre Ti e a minha ideia de Ti
vai enegrecer. A podridão há-de
macerar o poema. Vou ser eu o autor
a quem a agonia devora juntamente
com um livro inerte. Quando Tu não
voltares eu saberei ler como um iluminado.
Os significados metafóricos levá-los-ei
até à ironia. A realidade levantá-la-ei
dessa valeta. Vai fascinar-me o torvelinho mor-
tal em que mesmo os poemas sem dor
sempre se desfazem. Quanto mais estes
em que se ostenta o Amor em páginas ás-
peras até eu perder a noção de estar presente.
Fiama Hasse Pais Brandão
Obra Breve - Poesia Reunida
Assírio & Alvim, 2006
nar-se trágicos. O texto vai revelar a
cicatriz de seda e os laivos claros do meu
choro. A contra-coração vou reescrevê-los.
Hei-de encontrar aqui uma placa lisa
para arrastar as letras até à regueira
turva. A imagem da água que era a de uma
simbiose entre Ti e a minha ideia de Ti
vai enegrecer. A podridão há-de
macerar o poema. Vou ser eu o autor
a quem a agonia devora juntamente
com um livro inerte. Quando Tu não
voltares eu saberei ler como um iluminado.
Os significados metafóricos levá-los-ei
até à ironia. A realidade levantá-la-ei
dessa valeta. Vai fascinar-me o torvelinho mor-
tal em que mesmo os poemas sem dor
sempre se desfazem. Quanto mais estes
em que se ostenta o Amor em páginas ás-
peras até eu perder a noção de estar presente.
Fiama Hasse Pais Brandão
Obra Breve - Poesia Reunida
Assírio & Alvim, 2006
A porta branca
Por detrás desta porta,
uma de todas as portas que para mim se abrem e se fecham,
estou eu ou o universo que eu penso.
Deste meu lado, dois olhos que vigiam
os fenómenos naturais, incluindo a celeste mecânica
e as sociedades humanas, sedentárias e transumantes.
Mas podem os olhos fazer a sua enumeração,
e pode o pensado universo infindamente ir-se,
que para mim o que hoje importa
é aquela olhada vaga porta.
Que ela seja só como a vejo, a porta branca,
com duas almofadas em recorte,
lançada devagar sobre o vão do jardim,
onde o gato, por uma fenda aberta
pela sua pata, tenta ver-me,
tão alheio a versos e a universos.
Fiama Hasse Pais Brandão
Cena Vivas
Relógio d´Água, 2000
uma de todas as portas que para mim se abrem e se fecham,
estou eu ou o universo que eu penso.
Deste meu lado, dois olhos que vigiam
os fenómenos naturais, incluindo a celeste mecânica
e as sociedades humanas, sedentárias e transumantes.
Mas podem os olhos fazer a sua enumeração,
e pode o pensado universo infindamente ir-se,
que para mim o que hoje importa
é aquela olhada vaga porta.
Que ela seja só como a vejo, a porta branca,
com duas almofadas em recorte,
lançada devagar sobre o vão do jardim,
onde o gato, por uma fenda aberta
pela sua pata, tenta ver-me,
tão alheio a versos e a universos.
Fiama Hasse Pais Brandão
Cena Vivas
Relógio d´Água, 2000
Quando eu vir vaguear por dentro da casa
o abeto que cresceu no bosque, hei-de
ajoelhar no soalho. Todas as coisas
comunicam entre si a totalidade das suas formas.
A mão que vai surgir do abeto apontará para mim.
Tenho de despir as tiras de brocado que envolvem as veias,
as cadeias de ouro dos rins. Deixar
que as unhas longas da árvore passem
entre mim e o imo dos quartos interiores da casa.
Se essa figura imponente, a árvore, me reconhecer,
vou interromper o que escrevo, esperar ansiosa
atracção que a insónia desse vulto
há-de exercer sobre mim. Rodo
até à tontura da morte.
____Torturo-me
até à alegria. Encontro na casa
o tema da despossuição e a agonia.
A pobreza antiga com que o corpo cai
para uma vala. Preso apenas às pérolas
que tinem nas orelhas. Dante deixou-nos resvalar,
com os cânones clássicos, como se o poema
fosse uma escada. É-o, quando as figuras austeras
da Natureza perseguem os mortais. Querem confirmar
a sua configuração. Querem ser
reais, quando se aproximam.
Vai para diante da minha face, ao fundo.
Vem dos recantos, onde já não é a silhueta volúvel
enovelada pelo vento, à janela. Com lentidão
arrasta a forma táctil até à passagem do poema.
Sou eu que me vergo ao domínio.
Que me poise a marca incandescente na testa.
Tocará na meninge como num cofre.
Aceito coroas para depor sobre mim.
Deixo os pés do abeto empurrar
com a biqueira violetas. A fragrância
delas leva-me a imaginar poemas
em branco. Depois de percorrer um longo encadeamento
de sílabas sou outra. Vejo assomar a natureza nua.
Fiama Hasse Pais Brandão
Área Branca
Edições Arcádia, 1978
o abeto que cresceu no bosque, hei-de
ajoelhar no soalho. Todas as coisas
comunicam entre si a totalidade das suas formas.
A mão que vai surgir do abeto apontará para mim.
Tenho de despir as tiras de brocado que envolvem as veias,
as cadeias de ouro dos rins. Deixar
que as unhas longas da árvore passem
entre mim e o imo dos quartos interiores da casa.
Se essa figura imponente, a árvore, me reconhecer,
vou interromper o que escrevo, esperar ansiosa
atracção que a insónia desse vulto
há-de exercer sobre mim. Rodo
até à tontura da morte.
____Torturo-me
até à alegria. Encontro na casa
o tema da despossuição e a agonia.
A pobreza antiga com que o corpo cai
para uma vala. Preso apenas às pérolas
que tinem nas orelhas. Dante deixou-nos resvalar,
com os cânones clássicos, como se o poema
fosse uma escada. É-o, quando as figuras austeras
da Natureza perseguem os mortais. Querem confirmar
a sua configuração. Querem ser
reais, quando se aproximam.
Vai para diante da minha face, ao fundo.
Vem dos recantos, onde já não é a silhueta volúvel
enovelada pelo vento, à janela. Com lentidão
arrasta a forma táctil até à passagem do poema.
Sou eu que me vergo ao domínio.
Que me poise a marca incandescente na testa.
Tocará na meninge como num cofre.
Aceito coroas para depor sobre mim.
Deixo os pés do abeto empurrar
com a biqueira violetas. A fragrância
delas leva-me a imaginar poemas
em branco. Depois de percorrer um longo encadeamento
de sílabas sou outra. Vejo assomar a natureza nua.
Fiama Hasse Pais Brandão
Área Branca
Edições Arcádia, 1978
Sótão
Por interstícios das malas abertas de quando éramos
crianças gritam as bocas sem nenhum eco
das bonecas. Criaturas fictícias, escalpelizadas
e sem tintas, de ventre oco. Mas o mortal
lugar do coração está ainda a palpitar.
O bojo do peito de celulóide, como o meu,
pede-nos perdão pela saudade que nos devora.
Fiama Hasse Pais Brandão
Cena Vivas
Relógio d´Água, 2000
crianças gritam as bocas sem nenhum eco
das bonecas. Criaturas fictícias, escalpelizadas
e sem tintas, de ventre oco. Mas o mortal
lugar do coração está ainda a palpitar.
O bojo do peito de celulóide, como o meu,
pede-nos perdão pela saudade que nos devora.
Fiama Hasse Pais Brandão
Cena Vivas
Relógio d´Água, 2000
Subscrever:
Mensagens (Atom)