A tarde trabalhava
sem rumor
no âmbito feliz das suas nuvens,
conjugava
cintilações e frémitos,
rimava
as ténues vibrações
do mundo,
quando vi
o poema organizado nas alturas
reflectir-se aqui,
em ritmos, desenhos, estruturas
duma sintaxe que produz
coisas aéreas como o vento e a luz.
Carlos de Oliveira
Trabalho Poético
Assírio & Alvim, 2003
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Estrelas
__O azul do céu precipitou-se na janela. Uma vertigem,
com certeza. As estrelas, agora, são focos compactos de luz
que a transparência variável das vidraças acumula ou dilata.
Não cintilam, porém.
__Chamo um astrólogo amigo:
__"Então?"
__"O céu parou. É o fim do mundo."
__Mas outro amigo, o inventor de jogos, diz-me:
"Deixe-o falar. Incline a cabeça para o lado, altere o ân-
gulo de visão."
__Sigo o conselho: as estrelas rebentam num grande fulgor,
os revérberos embatem nos caixilhos que lembram a moldura
dum desenho infantil.
Carlos de Oliveira
Trabalho Poético
Assírio & Alvim, 2003
com certeza. As estrelas, agora, são focos compactos de luz
que a transparência variável das vidraças acumula ou dilata.
Não cintilam, porém.
__Chamo um astrólogo amigo:
__"Então?"
__"O céu parou. É o fim do mundo."
__Mas outro amigo, o inventor de jogos, diz-me:
"Deixe-o falar. Incline a cabeça para o lado, altere o ân-
gulo de visão."
__Sigo o conselho: as estrelas rebentam num grande fulgor,
os revérberos embatem nos caixilhos que lembram a moldura
dum desenho infantil.
Carlos de Oliveira
Trabalho Poético
Assírio & Alvim, 2003
Praias
Dorme, flutua numa espécie de lago. A respiração dos seios empurra contra as paredes do quarto, em ondas lentas, o meu corpo afogado. Não consigo dormir.
Esperarei toda a noite nessas praias de cal, desertas, verticais.
Carlos de Oliveira
Trabalho Poético
Assírio & Alvim, 2003
Esperarei toda a noite nessas praias de cal, desertas, verticais.
Carlos de Oliveira
Trabalho Poético
Assírio & Alvim, 2003
Dunas
Contar os grãos de areia destas dunas é o meu ofício actual. Nunca julguei que fossem tão parecidos, na pequenez imponderável, na cintilação de sal e oiro que me desgasta os olhos. O inventor dos jogos meu amigo veio encontrar-me quase cego. Entre a névoa radiosa da praia mal o conheci. Falou com a exactidão de sempre:
«O que lhe falta é um microscópio. Arranje-o depressa, transforme os grãos imperceptíveis em grandes massas orográficas, em astros, e instale-se num deles. Analise os vales, as montanhas, aproveite a energia desse fulgor de vidro esmigalhado para enviar à Terra dados científicos seguros. Escolha depois uma sombra confortável e espere que os astronautas o acordem».
Carlos de Oliveira
Trabalho Poético
Assírio & Alvim, 2003
«O que lhe falta é um microscópio. Arranje-o depressa, transforme os grãos imperceptíveis em grandes massas orográficas, em astros, e instale-se num deles. Analise os vales, as montanhas, aproveite a energia desse fulgor de vidro esmigalhado para enviar à Terra dados científicos seguros. Escolha depois uma sombra confortável e espere que os astronautas o acordem».
Carlos de Oliveira
Trabalho Poético
Assírio & Alvim, 2003
Edgar Allan Poe
O inverno em Boston foi breve. Ele bebia. Sílabas abriam-se uma a uma pelos cantos do quarto. Gotas de álcool. Quem se lembra da chuva caída no seu nome?
Folheou toda a noite os livros ancestrais e encontrou qualquer coisa, ninguém sabe o quê, talvez o retrato de Annabel Lee. Esboçou-o na vidraça carregada de sombra e o quarto amanheceu.
«Mas isso pouco vale(diz a magia negra), o filtro apenas decompôs mais cedo o horror em luz, não alterou a solidão dos dias, que a noite separa uns dos outros para sempre.»
Carlos de Oliveira
Trabalho Poético
Assírio & Alvim, 2003
Folheou toda a noite os livros ancestrais e encontrou qualquer coisa, ninguém sabe o quê, talvez o retrato de Annabel Lee. Esboçou-o na vidraça carregada de sombra e o quarto amanheceu.
«Mas isso pouco vale(diz a magia negra), o filtro apenas decompôs mais cedo o horror em luz, não alterou a solidão dos dias, que a noite separa uns dos outros para sempre.»
Carlos de Oliveira
Trabalho Poético
Assírio & Alvim, 2003
Posto de gasolina
Poiso a mão vagarosa no capô dos carros como se afagasse a crina de um cavalo. Vêm mortos de sede. Julgo que se perderam no deserto e o seu destino é apenas terem pressa. Neste emprego, ouço o ruído da engrenagem, o suave movimento do mundo a acelerar-se pouco a pouco. Quem sou eu, no entanto, que balança tenho para pesar sem erro a minha vida e os sonhos de quem passa?
Carlos de Oliveira
Trabalho Poético
Assírio & Alvim, 2003
Mapa
I
O poeta
[o cartógrafo?]
observa
as suas
ilhas caligráficas
cercadas
por um mar
sem marés,
arquipélago
a que falta vento,
fauna, flora,
e o hálito húmido
da espuma,
II
pensando
que
talvez alguma
ave errante
traga à solidão
do mapa,
aos recifes desertos,
um frémito,
um voo,
se for possível
voar
sobre tanta
aridez.
Carlos de Oliveira
A Leve Têmpera do Vento
Quasi Edições
O poeta
[o cartógrafo?]
observa
as suas
ilhas caligráficas
cercadas
por um mar
sem marés,
arquipélago
a que falta vento,
fauna, flora,
e o hálito húmido
da espuma,
II
pensando
que
talvez alguma
ave errante
traga à solidão
do mapa,
aos recifes desertos,
um frémito,
um voo,
se for possível
voar
sobre tanta
aridez.
Carlos de Oliveira
A Leve Têmpera do Vento
Quasi Edições
Sobre o lado esquerdo
De vez em quando a insónia vibra com a nitidez dos sinos, dos cristais. E então, das duas uma: partem-se ou não se partem as cordas tensas da sua harpa insuportável.
No segundo caso, o homem que não dorme pensa: «o melhor é voltar-me para o lado esquerdo e assim, deslocando todo o peso do sangue sobre a metade mais gasta do meu corpo, esmagar o coração.
No segundo caso, o homem que não dorme pensa: «o melhor é voltar-me para o lado esquerdo e assim, deslocando todo o peso do sangue sobre a metade mais gasta do meu corpo, esmagar o coração.
Carlos de Oliveira
Trabalho Poético
Assírio & Alvim, 2003
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