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Trinta

Hoje aconteceu-me mais um cabelo branco
(não sei se tinha dado com este:)
fica
mesmo ao lado da risca entre os
vinte e nove
e os trinta. O
dia de amanhã já existe ora
(a hora nas agendas)
lembra uma camisa limpa que
drapeja ao secar
(cada dia que me aceita
propõe
novo recomeço).
Todos temos uma alma gémea
frente ao espelho
tinha feito 15 anos
(hoje acatei outro quinze)
foi sempre no gesso da idade
que assinei
o poema.


João Luís Barreto Guimarães

Rés-do-Chão
Gótica, 2000

Havia um

havia um
relógio
de sala
castanho


tão esguio
tão esguio
quase não


ocupava
espaço
nenhum.


o seu
bom-dia
(porém)
espalhava-se pela casa toda



João Luís Barreto Guimarães
3
Gótica, 2001

21 de março

O princípio da manhã é um inesperado gume de frio que
rasga a pele até à dor. Aguardo que abra o Café, de mãos
enterradas nos bolsos, os pés sapateando uma dança que só os
arrepios conhecem partitura.
Dentro já nasceu a luz. Contrasta, de tão quente. As
cadeiras estão voltadas cumprida que foi outra noite sobre o
tampo das mesas. Estou sozinho junto à entrada. A máquina
de café foi ligada, posso-o ver pelo botão de cor alaranjada que
pisca, intermitente. Hoje vou ser o primeiro. O vidro pinta o
nariz sempre que o encosto ao frio, mas a névoa embaciada que
se interpõe com o bafo obriga-me a recuar para poder espreitar
o salão.
Quem passasse agora aqui, diria que voltei a fumar.



João Luís Barreto Guimarães
Lugares Comuns
Mariposa Azual, 2000

12 de setembro

Decidi escrever este texto com o lápis muito afiado. Mas, de cada vez que roubo palavras à grafite, esta torna-se mais densa e vejo-me obrigado a parar, sob pena de não conseguir cumprir o objectivo.
O lápis, já de si, não é muito comprido. Na verdade já nem consigo segurá-lo bem entre dedos. De duas em duas palavras vejo-me a interromper a escrita para o poder aguçar. A continuarmos assim pode muito bem dar-se o caso de dentro de muito poucas palavras, eu já não ter mais lápis pa



João Luís Barreto
Guimarães
Lugares Comuns
Mariposa Azual, 2000

Animais domésticos

Não cedas ao quarto com ela. Não
dês nome ao
perfume. Deixa-a cuidar sozinha da
íntima
idade dela. Vai tu
encantar a mais nova. Conta
um conto à miúda. Acata a
meia hora como
se fosse um instante.
Hoje é
a própria noite que
apela ao murmúrio. Conheces
como ela tarda no desvelo
de te ter. Mas
não
lhe meças tu
sedas. Não acertes tu o lume. Quando
menos estás à espera a
maçã que já trincaste vai
saber de
novo a
sumo.



João Luís Barreto Guimarães
Rés-do-chão
Gótica, 2003