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Relatório às donzelas

Essa noite devia decidir -
iríamos ser amantes?
Fazia escuro,
ninguém nos veria.
Inclinei-me para ela exactamente
e inclinado
eu
disse-lhe
exactamente
como um bom pai:
«A ravina da paixão é abrupta -
seja simpática,
vá-se embora.
Vá-se embora,
seja simpática.»


Vladimir Maiakovski
33 Poesias
Quasi Edições, 2008
tradução de Adolfo Luxúria Canibal

Insignificâncias

Exibirei a série de cores da minha imaginação como a cauda de um pavão,
entregarei a minha alma a um enxame de rimas desconhecidas.
Quero ainda ouvir nas colunas dos jornais rezingar
aqueles
que com o focinho zurzem as raízes
do carvalho que os alimenta.



Vladimir Maiakovski
33 Poesias
Quasi Edições, 2008
tradução de Adolfo Luxúria Canibal

A confraria dos escritores

Sem dúvida jamais me habituarei
a instalar-me na esplanada do «Bristol»,
beber chá,
contar histórias verso a verso –
tenho vontade de entornar os copos
e de trepar às mesas.
Escutai,
confraria literária!

Estais aí sentados,
os olhos mergulhados na chávena de chá.
Os vossos cotovelos estão luzidios à força de escrevinhar.
Levantai os olhos dos vossos copos por terminar.
Libertai as vossas orelhas das guedelhas.

Vós
colados ao papel
das paredes,
meus caros,
que fazeis vós com o verbo?
Sabíeis
que quando não escrevia
François Villon
era bandido?

Vós
que sois prudentes
mesmo para agarrar numa faca de cortar papel,
pensar que é a vós que está confiada a beleza do mais magnífico dos séculos!

Escrever ainda?
Hoje
a vida
é cem vezes mais interessante
mesmo a do último ajudante de notário.

Senhores poetas,
não estais já fartos
das páginas,
dos palácios,
do amor,
dos bosques de lilás?
Se chamam
criadores
a pessoas como vocês –
então quero lá saber da arte em geral.

Prefiro abrir uma loja.
Irei à Bolsa.
Os flancos eriçados com espessas toalhas.
Irei esvaziar a alma
berrando canções de bêbado
num privado de cabaré.

Será que uma pancada pode ter êxito sob os tufos de cabelo?
Um só pensamento
habita estes pêlos que nunca mais acabam:
«Pentear-se? Para quê?!
Por um momento não vale o esforço,
quanto a estar
eternamente bem penteado
é impossível».



Vladimir Maiakovski
33 Poesias
Quasi Edições, 2008
tradução de Adolfo Luxúria Canibal

Como me transformei em cão

É ainda assim completamente insuportável!
Estou rabugento como tudo.
A minha rabugice não é conforme poderia ser a vossa:
apanharia qual um cão o rosto de testa lisa
da lua
e cobrindo-a de latidos.

Deve ser dos nervos…
Vou sair,
dar uma volta.
Mas na rua ninguém consegue acalmar-me.
Uma mulher grita-me qualquer coisa a propósito de uma boa tarde.
Há que responder:
eu conheço-a.
Quero fazê-lo,
mas sinto
que é impossível à maneira dos homens.

Que escândalo!
Estarei a dormir?
Apalpo-me:
sou tal como era,
o rosto a que estou habituado.
Toco no lábio,
por baixo desponta
um canino.

Escondo rapidamente a cara, como para me assoar,
corri para casa dobrando o passo.
Contorno prudente a esquadra mas de repente um grito ensurdecedor:
«Ó da guarda!
Ele tem uma cauda!»

Passei a mão e fiquei hirto!
Isto era mais claro
que todos os caninos,
na minha pressa furiosa não tinha reparado
que sob o casaco
uma enorme cauda tinha estendido o seu leque
e abanava atrás de mim,
uma enorme cauda de cão.

Que irá acontecer?
Um pôs-se a berrar, amotinando a multidão,
ao segundo juntou-se um terceiro, depois um quarto.
Derrubaram uma pobre velha
que benzendo-se gritou qualquer coisa a propósito do diabo.
E quando, a cara eriçada pelas vassouras de enormes bigodes
a multidão se aproximou,
imensa,
maldosa,
eu pus-me a quatro patas
e ladrei:
Au! Au! Au!



Vladimir Maiakovski
33 Poesias
Quasi Edições, 2008
tradução de Adolfo Luxúria Canibal