tão nu de ti como as árvores das estrelas
Pedro Sena-Lino
zona de perda livro de albas
objecto cardíaco, 2006
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[podes levar os dias que trouxeste]
podes levar os dias que trouxeste
os pássaros soterraram agosto
e sem lugar um homem cega pela janela
o mar que jura ter tocado com o sangue
podia ter sido o amor se não tivesse vindo
tão directamente da sede
um duplo rosto de enganos e os braços
que saíram desertos
o eco da morte reverbera na pele
com que vejo a tua ausência encher as ruas
um choro de papel cai pela terra
e nunca foi tão tarde ser depois
daqui onde o grito surdo incendeia
a refutação da madrugada
donde o crânio esmaga o coração
um homem corta pela janela
a própria certeza de ter sido
não__ é tarde demais para uma manhã
que foi a enterrar em tantas noites
as escadas morreram de sede
a terra caiu em nunca
podes levar os dias que trouxeste
Pedro Sena-Lino
zona de perda – livro de albas
Objecto Cardíaco, 2006
+
os pássaros soterraram agosto
e sem lugar um homem cega pela janela
o mar que jura ter tocado com o sangue
podia ter sido o amor se não tivesse vindo
tão directamente da sede
um duplo rosto de enganos e os braços
que saíram desertos
o eco da morte reverbera na pele
com que vejo a tua ausência encher as ruas
um choro de papel cai pela terra
e nunca foi tão tarde ser depois
daqui onde o grito surdo incendeia
a refutação da madrugada
donde o crânio esmaga o coração
um homem corta pela janela
a própria certeza de ter sido
não__ é tarde demais para uma manhã
que foi a enterrar em tantas noites
as escadas morreram de sede
a terra caiu em nunca
podes levar os dias que trouxeste
Pedro Sena-Lino
zona de perda – livro de albas
Objecto Cardíaco, 2006
+
[circular de adeus] [trinta de janeiro. os nomes vazios]
não sei se alguma vez viste a morte
crescer no corpo de alguém
sobe lenta como se fossem as escadas
a chegar-te depressa
ou a memória como uma coisa viva
e impalpável como uma fotografia
Pedro Sena-lino
deste lado da morte ninguém responde
Quasi Edições, 2005
crescer no corpo de alguém
sobe lenta como se fossem as escadas
a chegar-te depressa
ou a memória como uma coisa viva
e impalpável como uma fotografia
Pedro Sena-lino
deste lado da morte ninguém responde
Quasi Edições, 2005
[xácara do nunca nascido]
«Tenho uma criança perdida em todos os lugares»
Herberto Helder
Herberto Helder
i.
não vim ao mundo senão para morrer
uma criança nasce nas vizinhanças da morte
absoluta e cadáver
os pulmões sufocando invisíveis
cadáver naufragando luz
e as sombras corroendo o universo inteiro
a tarde doía Deus
quando o ferro me cortou do paraíso
áspide e grego em sol contrário
deitaram-me sem estrelas num caixão
independente de sílabas gritadas
(falava o anterior e era um grito
e porque era um grito me chorava)
deram-me um nome que nunca regressei
pedras silábicas no mundo
os olhos ardiam por se ver o nada
ii.
absoluta e cadáver a criança caía
doíam Deus as tardes
quando trepava o visível de mãos cortando
as árvores barcos de sentido
se era para morrer que valia um dia
porque puseram desertos ao alcance das mãos
e colaram asas estátuas de desejo
atravessava o nada e ninguém me via
iii.
e depois enganaram-me o amor
e ninguém me disse que o amor
era o sono da morte
e eu subia corpos como anunciações
sangue e sangue com boca
colada ao invisível todo e
a morte bebia os astros e os caminhos
interestelares a distância dos braços
a terra a escavar a morte
enquanto se rasgam dois corpos
Deus doía tarde
quando absoluta uma criança morria
iv.
deram-me um espelho onde me queimei
integral e semente
atravessava os vultos corredores do tempo
mas só a sede me vivia
a criança que corre pelo outono
só deseja a morte
gosta de areia é a memória
vai cegando de coisas irreais
famílias de divisas actos de passagem
um rosto devorado pelas invasões
com a sede a diluir-lhe o corpo
cadáver absoluto nas vizinhanças da
dor que Deus doía
v.
para uma criança morrer
absoluta e cadáver
dão-lhe um inferno para crescer
chamam destino ao que a morte cria
e noite à verdade dos dias
tiram retratos que a morte desfoca
e permitem que se passe entre os mortos
como se aqui fosse o lugar
sei apenas hoje e eu
que a dor de Deus tarde
é o único chegar
Pedro Sena- Lino
Deste lado da morte ninguém responde
Quasi Edições, 2008
* [xácara do nunca nascido] foi escrito em 8 de Novembro de 2004, à partida da Natércia, e é dedicado à Teresa e ao José.
as flores do sono
«Devant une neige un être de beautê de haute taille. (...)
Oh! nos os sont revêtus d'un nouveau corps amoreux.»
(Rimbaud)
a noite estava de uma espessura de texto; como se todos
os poemas estivessem acordados, insones e nus pelo dentro
da noite. mas eu estava no avesso da noite, onde eu próprio
me aconteceria como um poema que outra diversa, obscura
mão desenhasse em mim.
olhos gastos de trovoadas na cabeça, atravessava a
floresta de palavras da cidade. doíam-me na cabeça sonhos
distantes que me cosiam os sonos desde tanto. e eu
atravessado pela cidade banho lustral de espadas e de
símbolos anúncios do teu diferente rosto, na proa do navio
para que soubesse o rumo das distâncias; e,
simultaneamente, que esse mesmo rosto-distância fosse o
meu destino.
no teatro das coisas vulgares, sentei-me e tu apenas
surgiste. mas no reino invulgar dos escravos do sentido, da
nossa corporal fraternidade de bêbados do anoitecer,
surgiste como se eu fosse, desde um sempre, a tua verdadeira
língua.
- sim. podes beijar-me os sonos porque sou eu
precipitados pelo texto um contra o outro, mar revolto
despindo o mar aberto, matéria do real verdadeiro, cumpria-
se o poema: «être de Beauté, "Being Beautous", que «des
sifflements de mort et des cercles de musique sourde font
monter, s'élargir et trembler comme um spectre ce corps
adoré».
tão real esta renegação, este encontro do vulto para
além de mim, o teu silêncio a beber do meu, este tempo de
mentiras criadas, esta taxativa e mortal carne negação da vida
mais clara.
- preciso que digas o nosso mesmo nome
o tempo - tem tempo dentro? a cidade tinha palavras
demais - e nós não podíamos palavras. corri o frio das noites
à procura da tua palavra. o seu cerco tomou-me os dias pela
garganta.
como uma flor do sono te guardo. tão impossível, o real.
Pedro Sena-Lino
as flores do sono - prelúdios e fugas
Litera Pura, 2000
Oh! nos os sont revêtus d'un nouveau corps amoreux.»
(Rimbaud)
a noite estava de uma espessura de texto; como se todos
os poemas estivessem acordados, insones e nus pelo dentro
da noite. mas eu estava no avesso da noite, onde eu próprio
me aconteceria como um poema que outra diversa, obscura
mão desenhasse em mim.
olhos gastos de trovoadas na cabeça, atravessava a
floresta de palavras da cidade. doíam-me na cabeça sonhos
distantes que me cosiam os sonos desde tanto. e eu
atravessado pela cidade banho lustral de espadas e de
símbolos anúncios do teu diferente rosto, na proa do navio
para que soubesse o rumo das distâncias; e,
simultaneamente, que esse mesmo rosto-distância fosse o
meu destino.
no teatro das coisas vulgares, sentei-me e tu apenas
surgiste. mas no reino invulgar dos escravos do sentido, da
nossa corporal fraternidade de bêbados do anoitecer,
surgiste como se eu fosse, desde um sempre, a tua verdadeira
língua.
- sim. podes beijar-me os sonos porque sou eu
precipitados pelo texto um contra o outro, mar revolto
despindo o mar aberto, matéria do real verdadeiro, cumpria-
se o poema: «être de Beauté, "Being Beautous", que «des
sifflements de mort et des cercles de musique sourde font
monter, s'élargir et trembler comme um spectre ce corps
adoré».
tão real esta renegação, este encontro do vulto para
além de mim, o teu silêncio a beber do meu, este tempo de
mentiras criadas, esta taxativa e mortal carne negação da vida
mais clara.
- preciso que digas o nosso mesmo nome
o tempo - tem tempo dentro? a cidade tinha palavras
demais - e nós não podíamos palavras. corri o frio das noites
à procura da tua palavra. o seu cerco tomou-me os dias pela
garganta.
como uma flor do sono te guardo. tão impossível, o real.
Pedro Sena-Lino
as flores do sono - prelúdios e fugas
Litera Pura, 2000
lírica, talvez burlesca e muito sentimental
ao Mário Cesariny de Vasconcelos,
que me ensinou a ler
[a]
em cima do corpo há uma jarra. dentro da jarra há
veneno. ao lado do veneno há por dentro uma lua. por baixo
da lua há um fundo de verdade.
[e]
debaixo de um poema neo-realista há um eu atado em
nós. por cima de um poema romântico há uma foda
monumental do eu consigo. antes de um poema moderno há
a masturbação da flor. por baixo de tudo isto há a mãe o pai
o vomitado leite da velhice e muitas quecas e queques em
pastelarias oníricas.
[i]
no cimo da escada há o outro. a meio da escada há um
porto. à frente da escada há o medo. no fundo da escada há
fantasmas na roupa. por dentro da escada há coisas a subir,
coisas a entrar, másculos a sair.
[o]
dentro de uma caneta há a alma da caneta. por cima da
caneta há um assassino de si. por baixo da caneta há merda
transfigurada.
[u]
dentro deste texto há onde eu. ao lado deste eu há
por onde eu. em cima deste texto há quem se esconde eu.
depois deste texto há eu sentado na retrete a corrigir as
provas e a achar que ainda não me exponho demasiado, e
que em vez de aprender a ler eu deveria saber escrever eu.
[ou]
não éramos todos mais felizes se vendesse eu partes do
meu corpo dentro do livro? em vez do livro que tem por
baixo o corpo? ou melhor: se eu vendesse o meu corpo para
ser comprado, metido na prateleira, e fazendo amor com os
outros livros fizesse, para o fim da história, alguma coisa de
verdadeiramente legível?
[ai]
anda comigo para dentro do texto porque eles afinal
querem ler-me contigo por baixo do texto. brinca aos
sentidos comigo ao perto do texto porque afinal eles querem
ver-me contigo dentro do texto. finge comigo por cima do
texto porque eu vivo de ti ao longo do texto.
[ui]
em cima do corpo há um corpo invisível. ao lado do
corpo há um corpo visível. por dentro do corpo há dois
corpos legíveis. a literatura é guiada por um morto.
[ei]
ditongo usado ao longo por dom dinis. quase nasal
dentro de camilo. interjeição ao fim de rima de pé quebrado
monárquica. perda da distinção fonológico-filosófica entre
esta e [eu] - nudista correndo através do texto.
[au]
por dentro de um homem há um feminista. em cima de
um homem há uma lista telefónica. ao lado de um homem há
o que não há.
[eu]
crítico literário, poeta a ver, ex-seminarista feliz,
prosador imperceptível, míope constante. usa a caneta a
meio do corpo ultra-lírico descontrucionista,
contorcionista sintático, doente corporal. julga-se bom, cita
velhinhas sem idade, esvazia a morte e tem medo de si como
palavra. se o encontrarem à noite, anda a escrever o labirinto
no corpo para ver se se conhece eu.
Pedro Sena-Lino
as flores do sono - prelúdios e fugas
Litera Pura
nox
«Quem lê nas trevas, além dos pássaros nocturnos?»
(Teixeira de Pascoaes)
(Teixeira de Pascoaes)
acordo. é de manhã no texto. a raiz do verbo bate-me
sofregamente no coração uma espécie anímica de calor. nos
gestos lançados sobre o mar vazio dos objectos, do Objecto,
eu serei sempre aquele que deixava um gosto indiviso de
murmúrio. é ao peso do fim que me levanto e à minha
passagem assisto em carne ao suicídio das coisas. cada ser me
repete fim breve, arco partido.
acordo e recito o texto do fim que eu próprio sou
escrevo o lugar que visto por dentro.
Pedro Sena-Lino
as flores do sono - prelúdios e fugas
Litera Pura
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