Mostrar mensagens com a etiqueta charles tomlinson. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta charles tomlinson. Mostrar todas as mensagens

Tramontana em Lerici

Hoje, deixasse alguém cair um copo de vidro e
_Ele desintegrar-se-ia, deflagrando com tal intensidade
Contra a ressonância do frio ( os sons
_Duros, separados e distintos, distanciando-se
Em cadência decrescente) que se juraria
_Tratar-se da imitação de vidro a quebrar-se.

Nas folhas acentuam-se os matizes. Estimuladas por esta
________________________________claridade
_As mentes dos artífices tornar-se-iam prismáticas,
Arrebatadas por rendas de arestas afiadas,
_Cortantes como aço. Constituições
Esboçadas sob este frio fecundo, seriam anuladas
_Pelo rigor da sua equidade, pela moderação da sua piedade.

Ao entardecer somos perturbados pela definição
_De tantos tons de verde quantos tentamos vislumbrar,
Quantos ainda a própria paisagem,
_Absorvida pela firme obscuridade, condensa
Desde o verde-mar até esse lento anil escuro
_Onde a luz e o crepúsculo se abandonam.

E o frio aumenta. Aqui, neste ar
_Impróprio para políticos e românticos,
O escuro consolida-se do azul, e apaga as janelas:
_Um bloco tangível, recusará ser acessório
Do que lhe não disser respeito. Somos ignorados
_Por tanto frio suspenso em tanta noite.



Charles Tomlinson
Poemas
Livros Cotovia, 1992
Tradução de Gualter Cunha

A arte da poesia

A princípio a mente sente-se contundida.
A luz abre orifícios brancos na folhagem negra
Ou, a não ser a si própria, a névoa tudo oculta.

Mas como deveremos dizê-lo? –
Isto é um facto: quando a verdade não é boa que baste
Nós exageramos. As proporções

Importam. É difícil acertá-las.
Não deve haver nada
Supérfluo, nada que não seja elegante
E nada que o seja se for apenas isso.

Este entardecer verde tem contornos violetas.

Borboletas amarelas
Nervosamente mudando de lugar
De flores vermelhas para outras brônzeas
Desaparecem quando aparece o entardecer.



Charles Tomlinson
Poemas
Livros Cotovia, 1992
Tradução de Gualter Cunha

Holanda

O comboio leva-nos através de um Mondrian -
_O único que ele não conseguiu pintar. As vacas
Movem-se ao longo das linhas
_De canais e levadas, paralelas reluzentes
E ângulos rectos de uma terra feita à mão.
_É verdade: as curvas não são traços desta vista,
Contudo, por que nunca o levou o céu a divagar,
_Com as duas elevadas montanhas de nuvens
Acamadas e acumuladas sobre a ausência dos relevos?
_Voando entre ambas vão garça e gaivota
Caçadoras, frequentadoras de todos os canais.
_Não há margens por plantar, nem terrenos incultos:
A água continua a acompanhar o nosso curso,
_As vacas pastam até junto das janelas da fábrica e então
_________________________________chegamos.



Charles Tomlinson
Poemas
Livros Cotovia, 1992
Tradução de Gualter Cunha

O momento

Observando dois surfistas a caminho das ondas,
Flutuando as pranchas ao seu lado enquanto ao longo
Do lento declive da praia, os joelhos, depois a cintura,
Penetram naquele abraço elementar,
Suspendo a escolha na dependência deles, enquanto uma
Onda de milhentas se forma e se aproxima:
E eles estão prontos para ela, ao rodarem
Como aves que se voltam para levitar no vento:
Tudo é certeiro agora ao deslizarem de lado a lado:
Pelo que invejo o jeito dos seus corpos
Para aguentar e prolongar a descida veloz
Opto pelo momento em que as suas escolhas coincidem
E, em equilíbrio, como se no ar, hesitam
Numa culminação que com o mar partilham.



Charles Tomlinson

Poemas
Livros Cotovia, 1992
Tradução de Gualter Cunha