Os barcos partiram. E com eles a ilusão
de uma vitória. A água ocultou todos os rastos.
Quer dizer, é sempre um pouco triste vir aqui.
Como se faz uma capitulação? Não sabemos.
Nunca nos pediram para capitular.
Varremos a culpa para debaixo do tapete,
levando à risca o que a vida nos ensina.
A vida ou seja o que for que nos instrua.
Um dia, em todo o caso, deixaremos de fumar.
Vítor Nogueira
Bagagem de mão
& etc, 2007
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a descoberta da américa
Praça da restauração ( letra minúscula,
1640 já vai longe).
Cabemos todos nesta cidade perdida, Lisboa
inteira se preciso for. Há sempre espaço
para mais um neste ovo de Colombo.
E a democracia chega quase a ser bonita,
enfeitada com as cores da McDonald´s.
Andará talvez pelos sessenta o escritor
sem abrigo à minha frente. Alheio à esplanada,
tão espaçosa, tão capaz de fingir que ele não existe.
Invejo-o porque escreve sem parar, distante
dos meus versos encravados. Em redor,
o mecenato cultural dá-lhe dispensa de consumo
obrigatório. Mesmo assim, é quase sádico
o luzir do reclamo da Kentucky Fried Chicken.
Abandono, com remorsos, um escritor
mal abrigado. É triste dizê-lo, mas a Fnac
é agora a melhor das livrarias, a quase estúpida
razão de vir aqui marcar o ponto
durante as férias da Páscoa. Falta evitar
mais prejuízos no Continente que Colombo
por engano descobriu, a penúltima estação
deste calvário invertido, cujo cimo
é lá no fundo, o parque de estacionamento.
Eu, pecador, me confesso, expulso
pela escada rolante, enquanto a luz
vai surgindo estranhamente apetecível
no enlace da Segunda Circular.
vítor nogueira
Bagagem de Mão,
& Etc, 2007
1640 já vai longe).
Cabemos todos nesta cidade perdida, Lisboa
inteira se preciso for. Há sempre espaço
para mais um neste ovo de Colombo.
E a democracia chega quase a ser bonita,
enfeitada com as cores da McDonald´s.
Andará talvez pelos sessenta o escritor
sem abrigo à minha frente. Alheio à esplanada,
tão espaçosa, tão capaz de fingir que ele não existe.
Invejo-o porque escreve sem parar, distante
dos meus versos encravados. Em redor,
o mecenato cultural dá-lhe dispensa de consumo
obrigatório. Mesmo assim, é quase sádico
o luzir do reclamo da Kentucky Fried Chicken.
Abandono, com remorsos, um escritor
mal abrigado. É triste dizê-lo, mas a Fnac
é agora a melhor das livrarias, a quase estúpida
razão de vir aqui marcar o ponto
durante as férias da Páscoa. Falta evitar
mais prejuízos no Continente que Colombo
por engano descobriu, a penúltima estação
deste calvário invertido, cujo cimo
é lá no fundo, o parque de estacionamento.
Eu, pecador, me confesso, expulso
pela escada rolante, enquanto a luz
vai surgindo estranhamente apetecível
no enlace da Segunda Circular.
vítor nogueira
Bagagem de Mão,
& Etc, 2007
à nossa
Três pessoas encostadas ao balcão,
tentando enviar uma mensagem de
socorro. Todos queremos estar aqui,
para quando formos salvos.
Do outro lado, há um tipo que se instala
numa mesa, espalhando os amendoins,
descobrindo a sua vocação.
Um homem deve ter talento nos dedos,
saber fazer alguma coisa.
E, nisto, melhoramos a nossa visão
nocturna, mijamos na mesma latrina,
fazemos com que este lugar funcione.
Juntem-se mais, para cabermos todos
na fotografia.
Vítor Nogueira
tentando enviar uma mensagem de
socorro. Todos queremos estar aqui,
para quando formos salvos.
Do outro lado, há um tipo que se instala
numa mesa, espalhando os amendoins,
descobrindo a sua vocação.
Um homem deve ter talento nos dedos,
saber fazer alguma coisa.
E, nisto, melhoramos a nossa visão
nocturna, mijamos na mesma latrina,
fazemos com que este lugar funcione.
Juntem-se mais, para cabermos todos
na fotografia.
Vítor Nogueira
cortina
Era Inverno e nós tínhamos sede.
Talvez por causa do medo, essa forma
de sermos fiéis a nós próprios.
Cambaleámos até ao fundo de Lisboa,
que nesse dia se estipulou ser uma casa
outrora propriedade de um judeu.
Pássaros esvoaçavam numa sala sem gente,
a janela ao fundo, em contraluz.
Escondemo-nos atrás de uma cortina,
espreitando pelo canto da janela
a memória do nosso passado comum.
Depois, estupidamente, discutimos
poesia. Éramos cinco. Decidimos
separar-nos em grupos de quatro.
Por qualquer razão fiquei sozinho.
vítor nogueira
bagagem de mão
Talvez por causa do medo, essa forma
de sermos fiéis a nós próprios.
Cambaleámos até ao fundo de Lisboa,
que nesse dia se estipulou ser uma casa
outrora propriedade de um judeu.
Pássaros esvoaçavam numa sala sem gente,
a janela ao fundo, em contraluz.
Escondemo-nos atrás de uma cortina,
espreitando pelo canto da janela
a memória do nosso passado comum.
Depois, estupidamente, discutimos
poesia. Éramos cinco. Decidimos
separar-nos em grupos de quatro.
Por qualquer razão fiquei sozinho.
vítor nogueira
bagagem de mão
caros cidadãos
Passa da meia-noite, claro. Chegámos
ao lugar dos amigos anónimos, sozinhos
em ruas apinhadas de gente. Fazemos
todos parte da mesma estatística.
Há bairros inteiros que se esvaziam
na hora de a solidão sair à rua,
escudos humanos estabelecendo uma aliança
condigna, sem depender de ninguém.
Caros cidadãos, o tempo escasseia
e os erros são comuns hoje em dia.
Convencido da nossa inocência, custa-me a crer
que todo o mal que fizemos já tenha sido feito.
vítor nogueira
Bagagem de Mão,
& Etc, 2007
ao lugar dos amigos anónimos, sozinhos
em ruas apinhadas de gente. Fazemos
todos parte da mesma estatística.
Há bairros inteiros que se esvaziam
na hora de a solidão sair à rua,
escudos humanos estabelecendo uma aliança
condigna, sem depender de ninguém.
Caros cidadãos, o tempo escasseia
e os erros são comuns hoje em dia.
Convencido da nossa inocência, custa-me a crer
que todo o mal que fizemos já tenha sido feito.
vítor nogueira
Bagagem de Mão,
& Etc, 2007
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