Mostrar mensagens com a etiqueta paul éluard. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta paul éluard. Mostrar todas as mensagens

O império da carícia

O império da carícia é dos animais
Ponho-o nas tuas mãos
Para que jamais lho tirem

O império da palavra é dos amantes
Aí me instalo e estou só e me aborreço
Que esperem à porta os sonhadores
de boca aberta

A verdade nunca a terão
Uma carícia daqui dali a verdade
e o amargor
eles terão apenas as palavras dos espelhos
deformados
donde jamais sairão


Paul Éluard
Tradução A.M.

E um sorriso

A noite nunca está completa.
Há sempre, sou eu que o digo,
sou eu que o afirmo,
no fim do desgosto
uma janela aberta,
iluminada,
há sempre um sonho velando,
desejo a matar, fome a satisfazer,
um coração generoso,
uma mão estendida, aberta,
uns olhos atentos,
uma vida, a vida a partilhar.


Paul Éluard
Tradução A.M.
Ela está de pé nas minhas pálpebras
com os cabelos nos meus entrelaçados.
Ela cabe toda em minhas mãos,
ela tem a cor dos meus olhos
e desaparece na minha sombra
como uma pedra sobre o céu.

Tem sempre os olhos abertos
e não me deixa dormir.
Os sonhos dela à luz do dia
fazem os sóis evaporar-se,
fazem-me rir, chorar e rir,
falar sem ter nada a dizer.



Paul Éluard
Mourir de ne pas Mourir, 1924
in Antologia
Tempo de Poesia n.º8
Tradução de António Ramos Rosa

A verdade nua

O desespero não tem asas,
O amor também não,
Nada de rosto,
Não falam,
Eu não me mexo,
Não olho para eles,
Não lhes falo
Mas estou tão vivo como este amor
(ou como este desespero).

 
Paul Éluard
Tradução A.M.

A de sempre, toda ela

Se eu vos disser: «tudo abandonei»
é porque ela não é a do meu corpo,
eu nunca me gabei,
não é verdade
e a bruma de fundo em que me movo
não sabe nunca se eu passei.

O leque da sua boca, o reflexo dos seus olhos
sou eu o único a falar deles,
o único a ser cingido
por esse espelho tão nulo em que o ar circula através de mim
e o ar tem um rosto, um rosto amado,
um rosto amante, o teu rosto,
a ti que não tens nome e os outros ignoram,
o mar diz-te: sobre mim, o céu diz-te: sobre mim,
os astros adivinham-te, as nuvens imaginam-te
e o sangue espalhado nos melhores momentos,
o sangue da generosidade
transporta-te com delícias.

Canto a grande alegria de te cantar,
a grande alegria de te ter ou te não ter,
a candura de te esperar, a inocência de te conhecer,
ó tu que suprimes o esquecimento, a esperança e ignorância,
que suprimes a ausência e que me pões no mundo,
eu canto por cantar, amo-te para cantar
o mistério em que o amor me cria e se liberta.

Tu és pura, tu és ainda mais pura do que eu próprio.



Paul Éluard
Algumas das palavras
Publicações Dom Quixote, 1977
Tradução de António Ramos Rosa e Luísa Neto Jorge

O amor é o homem inacabado

Todas as árvores com todos os ramos com todas
[as folhas
A erva na base dos rochedos e as casas
[amontoadas
Ao longe o mar que os teus olhos banham
Estas imagens de um dia e outro dia
Os vícios as virtudes tão imperfeitos
A transparência dos transeuntes nas ruas do acaso
E as mulheres exaladas pelas tuas pesquisas
[obstinadas
As tuas ideias fixas no coração de chumbo nos
[lábios virgens
Os vícios as virtudes tão imperfeitos
A semelhança dos olhares consentidos com os
[olhares conquistados
A confusão dos corpos das fadigas dos ardores
A imitação das palavras das atitudes das ideias
Os vícios as virtudes tão imperfeitos

O amor é o homem inacabado.


Paul Éluard
Algumas das palavras
Publicações Dom Quixote, 1977
Tradução de António Ramos Rosa e Luísa Neto Jorge