Mostrar mensagens com a etiqueta ana pérez cañamares. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta ana pérez cañamares. Mostrar todas as mensagens

Filha

Filha, se em algum momento,
enquanto estás ocupada a crescer
- dura e lícita tarefa –
puderes olhar-me nos olhos,
fá-lo.

Não deixes as perguntas
para quando for a mesma voz
a perguntar e a responder.

Olha que nesta família
temos o doloroso costume
de conhecer-nos melhor em mortos.


Ana Pérez Cañamares

Gerações

Antes de morrer, minha mãe disse-me mamã, vem
enquanto me olhava sem ver-me;
eu disse mamã, fica
abraçando o seu corpo diminuto
envolto em panais e cheiro a talco;
minha filha disse mamã, não chores
e acariciou-me a cabeça a consolar-me.


Quando mamã morreu, por momentos
não eram claros os laços que nos uniam
não sabíamos quem tinha partido
e quem tinha ficado
nem em que momento das nossas vidas
estávamos vivendo
ou morrendo.



Ana Pérez Cañamares
La alambrada de mi boca
Baile del Sol, Tenerife, 2007

Tradução A.M.

Meu pai era daniel

O que pensei primeiro foi:
morreu sozinho
(o melhor bálsamo
para a culpa
é acompanhar na morte)


Depois pensei:
não me voltou a ligar
depois do meu último telefonema
(jamais reflectimos
que o desejo de independência
também pode ser hereditário)


E depois ainda: já não tenho pais
(e ao olhar para trás descobri
que há muito tempo
nenhuma mão
me segura a bicicleta para eu montar)


Agora não posso deixar de pensar:
pai, eu não estou morta
mas também perco muita coisa.


Já não estou chateada contigo.
De cada vez que penso em ti
é domingo de manhã.
Levas-me aos ombros
e eu sei que vais comprar-me
um batido de chocolate
no bar do balcão de zinco.
Depois a tua mão grande há-de abrir-se,
diante dos meus olhos, e mostrar-me o tesouro:
uma carica de mirinda e outra de pepsi.


Quarenta anos para descobrir
que estava já tudo dito ali.



Ana Pérez Cañamares
Tradução A.M.