Lázaro não Ressuscitado

Estava na mesma. Os seus amigos em redor do túmulo
Fitavam o seu rosto gorduroso e sereno,
Flutuando na sombra; nada poderia salvar
Agora o seu corpo das areias sob as suas ondas,
Não tendo acontecido o milagre previsto.

Jazia inerte sob aquelas mãos estendidas
Que o chamavam à vida. Embora o esquife
Estivesse pronto para agarrar a vida e as faixas enroladas
Ao seu primeiro movimento soltassem as glândulas geladas,
O milagre previsto não aconteceu.

Ó Lázaro, corpo distendido, assim posto
Resplandescente e sem peso sobre a superfície da morte,
Ergue-te agora, antes de te afundares, porque não ousamos descer
A esse triste pântano onde (gritaram os que choravam)
O milagre previsto não pode acontecer.

Quando pela primeira vez despertou, e lhe foram dados
Pensamentos e alento, escolheu deambular a passos vagarosos
Nos campos da infância, imaginários e seguros
- Semelhantes ao trivial território da morte
(O milagre não tinha acontecido).

Escolheu primeiro entregar-se assim aos pensamentos
E desprezar o que o seduzia na graça oferecida,
E depois, em repouso, escolheu entregar-se ao que deles restava.
Chegou o esforço final, empurrámo-nos
Para ver o planeado milagre acontecer:

Inesperadamente o cadáver pestanejou e abanou a cabeça
Para a seguir se afundar de novo, deslizando da vista sem deixar
Um único vestígio, até alcançar o lodo sobre o mais profundo leito
Do vazio. Escolhera permanecer morto,
O milagre previsto não aconteceu.

Nada mais mudou. Vi alguém perscrutar,
Inclinado-se para a caixa rectangular do espaço.
Os seus amigos tudo tinham feito: sem tal receio,
Sem aquele aterrado resplendor do despertar,
O milagre previsto teria acontecido.



Thom Gunn

A Destruição do Nada e outros poemas
Relógio d'Água, 1993
Tradução de Maria de Lourdes Guimarães

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