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Angústia

Não venho, não, vencer esta noite o teu corpo
Animal, pecador por todo um povo, nem
Em tuas tranças cavar, impuras, tristes ondas
Sob o tédio mortal derramado num beijo:

No teu leito o que busco é um sonho sem sonhos
Perpassando por sob cortinas de remorsos,
E que podes gozar em mentiras medonhas,
Tu que sabes do nada ainda mais que os mortos:

Porque o Vício, a roer minha nobreza inata,
Marcou-me como tu com a esterilidade,
Mas enquanto em pedra o teu seio é talhado

Cheio de um coração que nenhum crime mancha,
Eu fujo, angustiado, da mortalha que é minha,
Com medo de morrer quando durmo sozinho.



Stéphane Mallarmé

Poesias
Assírio e Alvim, 2004
Tradução de José Augusto Seabra

Renovo

Doentia, a primavera expulsou tristemente
O inverno, a estação da arte calma, o lúcido
Inverno, e este meu ser que um sangue morno inunda
De impotência se estira em um bocejo lento.

O meu crânio amolece em crepúsculos brancos
Sob o ferro em tenaz, como um túmulo antigo,
E eu, triste, eis-me a errar pelos campos seguindo
Um sonho belo e vago, entre a seiva estuante,

Depois cedo ao odor das árvores, cansado,
Com a face a cavar uma fossa ao meu sonho,
E mordendo os torrões onde nascem lilases,

Aguardo, a abismar-me, o meu tédio a evolar-se...
- Entretanto o Azul, sobre a cebe e o alvor,
Ri das aves em flor ao sol a chilrear.



Stéphane Mallarmé

Poesias
Assírio e Alvim, 2004
Tradução de José Augusto Seabra