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e é por isso que me lembro agora muitíssimo bem de um certo grito
o grito de absoluta demência com que ataquei o miúdo mais alto e forte lá da rua
e quase o matei e nele mataria todos os que me dissessem que à merda se chama
.......destino



Carlos Alberto Machado
Mito
&etc, 2001
Entre nós usamos e saboreamos a palavra e não deixamos
____________________________que alguém a veja
só entre nós sai da sua pedra negra para fazer brilhar os nossos segredos
nem pequenos nem grandes apenas com a medida exacta de gestos e falas
com o poder de fazer das coisas quotidianas as marcas da nossa
________________________________memória comum
rimos como crianças da fragilidade de tudo isto e às vezes choramos
__________________________________um pouco também
e também podemos ficar pensativos e com um pouco de medo do
_________________________________poder da palavra
ou com medo de a usar indevidamente ou de mais ou de menos
_________________________________nunca sabemos
e apertamos os lábios para não gritar aos estranhos que passam na rua
ou tão só abrir um pouco a pedra para deixar irradiar a sua luz
mesmo sabendo que apenas nós a podemos olhar de frente.



Carlos Alberto Machado
Talismã
Assírio & Alvim, 2004
Hoje vou para o mercado velho expor o meu corpo em pedaços
cada um bem identificado por uma etiqueta com nome e valor
tenho esperança de realizar uma boa transacção há tanta coisa lá
para trocar pelos pedaços ainda em bom estado deste meu corpo
inteiro não tem muita utilidade mas assim a retalho é precioso
em particular a mão direita o crânio o sexo o coração
oxalá ninguém queira comprar por atacado todos os pedaços
é que não sei onde guardei as instruções de montagem.



Carlos Alberto Machado
Talismã
Assírio & Alvim, 2004
Chove muito e a roupa no estendal está toda molhada
aconchego-me no calor de uma hesitação empírica
depois vou até aos correios olhar estupidamente para os guichés
volto não menos estupidamente para casa sem nada para olhar
e escrevo cartas atrasadas com os melhores cumprimentos
menos aquela em que te falaria da adequação dos corpos
solitários e da espera sem necessidade de feridas ou sofrimento
e da difícil aprendizagem nos dias chuvosos como o de hoje
seria uma carta sem intervalos nas palavras nem desculpas
seria uma carta breve sobre a arte de perceber o sim e o não
e seria lacrada com a marca dos meus lábios
mas agora o que fazer das nuvens que se rasgam em chuva?



Carlos Alberto Machado
Talismã
Assírio & Alvim, 2004
Como é que se fala
das nódoas negras
feitas a pontapés
nas pernas da mãe?
E da raiva e do prazer?
E da vergonha de hoje?
É verdade que era uma revolta
contra o que não se compreende
sofrimento de menino pobre.
E depois?



Carlos Alberto Machado
Os tronos
Mundo de Aventuras

Não sei para que lado da noite

Não sei para que lado da noite me hei-de virar
onde esconder de ti o rio de fogo das lágrimas
quase a transbordar e acendo mais um cigarro
e falo atabalhoadamente de um futuro qualquer
e suspiro de alívio porque não ouves o que digo
ou se calhar também não sabes onde te esconderes
esperamos que se ilumine o lado certo da noite
é quando se esgotam as palavras e os silêncios
e a minha mão procura a tua que a recebe
e a noite se unifica e todos os rios secam
menos um por onde navegamos
para abolir a noite.



Carlos Alberto Machado
Talismã
Assírio & Alvim, 2004