A LUZ NOS GUIE DO TEU ROSTO. APENAS
ela nos seja, mesmo à noite, dia.
E a abundância de dias enriqueça
esta velhice desprendida,
de forma a os frutos lúcidos da terra
dispensarem maior sabedoria.
E reunirem. Serem porta aberta
que a chegada dos outros endominga.
Como o domingo se endominga à mesa
com os frutos polícromos do dia.
E sobre todos esses frutos se erga
o teu rosto de luz, mesmo que o enigma
da sua claridade ainda só seja
a que há-de vir. E já desponta. E vinga
como o esplendor, depois da noite hesterna,
que recupera terra mais antiga.
Fernando Echevarría
Lugar de Estudo
Edições Afrontamento, 2009
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Sobre os mortos
IN MEMORIAM
a meu pai
a meu pai
Cada dia te víamos andando
mais para dentro de ti mesmo. O tempo
ia ficando parado
à medida que o sangue, mais pequeno,
circulava num espaço
que já era seu próprio esquecimento.
A certa altura, a placidez do campo
lavrava teu rosto. Que terreno
era então ver-te olhando,
como se olhar e o fio do centeio
fossem a luz do ano
com nostalgia de parecer eterno.
Foi essa a idade em que haver sido amado
pelo pão, pelo vinho e pelo vento
te trouxe a crestação com que o trabalho
deu tez ao sonho, e honradez e peso
a ficares assim, em paz sentado,
marceneirando teu próprio pensamento.
E, aos poucos, por ele madrugando,
seguiste ainda mais por ele adentro,
de forma que, hoje, nem te vemos. O halo
onde foste minguando é só aceno
de quem se foi pensando
até ao outro lado de si mesmo.
Do outro lado de si mesmos, cantam.
Desde outra margem sua voz arriba,
imperceptivelmente alcandorada
nessa tensão em que o cristal é cima.
Como essa margem se está excedendo. Que alta
se cumpre a melodia
por onde a inteligência fundou haver montanhas
de que nos chega somente a nostalgia.
Que as vozes que, do outro lado de si mesmas, cantam
deixam os ecos propagar-se à santa
alcandoração da disciplina.
Fernando Echevarría
Sobre os Mortos
Afrontamento/Poesia, 1991
o tempo vive
O tempo vive, quando os homens, nele,
se esquecem de si mesmos,
ficando, embora, a contemplar o estreme
reduto de estar sendo.
O tempo vive a refrescar a sede
dos animais e do vento,
quando a estrutura estremece
a dura escuridão que, desde dentro,
irrompe. E fica com o uivo agreste
espantando o seu estrondo de silêncio.
Fernando Echevarría
Sobre os Mortos
Afrontamento/Poesia, 1991
se esquecem de si mesmos,
ficando, embora, a contemplar o estreme
reduto de estar sendo.
O tempo vive a refrescar a sede
dos animais e do vento,
quando a estrutura estremece
a dura escuridão que, desde dentro,
irrompe. E fica com o uivo agreste
espantando o seu estrondo de silêncio.
Fernando Echevarría
Sobre os Mortos
Afrontamento/Poesia, 1991
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