tag:blogger.com,1999:blog-11370067535105309122024-03-13T22:24:51.041+00:00lugares mal situadosUnknownnoreply@blogger.comBlogger2092125tag:blogger.com,1999:blog-1137006753510530912.post-78962114968440523632010-11-17T14:36:00.001+00:002010-11-17T14:36:32.572+00:00<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhSCPyecaMobk1apNH39mXIfS9LfZMHLLjtFIn_Ycq5P6iuqo-JxraIRmgzuPbXp1hpmqeF7x5_ROwouDZxafgCd3FUQQP8E_DfUxJ6_NZUsbipV1SfSx3UCvi0EXrEme2DsrrAcA-Q0qMB/s1600/the+end.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="206" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhSCPyecaMobk1apNH39mXIfS9LfZMHLLjtFIn_Ycq5P6iuqo-JxraIRmgzuPbXp1hpmqeF7x5_ROwouDZxafgCd3FUQQP8E_DfUxJ6_NZUsbipV1SfSx3UCvi0EXrEme2DsrrAcA-Q0qMB/s320/the+end.jpg" width="320" /></a></div>Unknownnoreply@blogger.com7tag:blogger.com,1999:blog-1137006753510530912.post-25782136671783116002010-11-17T11:00:00.003+00:002010-12-21T12:52:48.947+00:00Homens que são como lugares mal situados<br />
Homens que são como casas saqueadas<br />
Que são como sítios fora dos mapas<br />
Como pedras fora do chão<br />
Como crianças órfãs<br />
Homens sem fuso horário<br />
Homens agitados sem bússola onde repousem<br />
<br />
Homens que são como fronteiras invadidas<br />
Que são como caminhos barricados<br />
Homens que querem passar pelos atalhos sufocados<br />
Homens sulfatados por todos os destinos<br />
Desempregados das suas vidas<br />
<br />
Homens que são como a negação das estratégias<br />
Que são como os esconderijos dos contrabandistas<br />
Homens encarcerados abrindo-se com facas<br />
<br />
Homens que são como danos irreparáveis<br />
Homens que são sobreviventes vivos<br />
Homens que são sítios desviados<br />
Do lugar<br />
<br />
<br />
<br />
<span style="font-weight: bold;">Daniel Faria</span><br />
<div style="text-align: center;">(Porque tudo tem um fim.)</div>Unknownnoreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-1137006753510530912.post-40518861364667576812010-11-16T16:38:00.001+00:002010-11-16T16:39:19.714+00:00O rei de Assini<div style="text-align: center;"><i>E Assini...</i></div><div style="text-align: center;"><i>ILÍADA</i></div><div style="text-align: center;"><i><br />
</i></div><div style="text-align: left;">Olhámos ao longo da manhã em redor de todo o castelo</div><div style="text-align: left;">começando pelo lado da sombra aí onde o mar</div><div style="text-align: left;">verde e sem cintilação, o peito de um pavão</div><div style="text-align: left;"> morto</div><div style="text-align: left;">nos acolheu como o tempo sem nenhuma fenda.</div><div style="text-align: left;">As veias da rocha desciam do alto</div><div style="text-align: left;">vides contorcidas nuas de muitos ramos ganhando vida</div><div style="text-align: left;">ao tocar a água, enquanto os olhos que as seguiam</div><div style="text-align: left;">lutavam para escapar ao cansativo embalo</div><div style="text-align: left;">perdendo cada vez mais força.</div><div style="text-align: left;"><br />
</div><div style="text-align: left;">Pelo lado do sol um longo mar costeiro todo aberto</div><div style="text-align: left;">e a luz esfregando pedraria nas grandes muralhas.</div><div style="text-align: left;">Nenhuma figura viva os pombos-bravos partiram</div><div style="text-align: left;">e o rei de Assini que há dois anos</div><div style="text-align: left;"> procuramos</div><div style="text-align: left;">desconhecido olvidado por todos e por Homero</div><div style="text-align: left;">apenas uma palavra na <i>Ilíada</i> e essa incerta</div><div style="text-align: left;">atirada para aqui qual a máscara tumular em ouro.</div><div style="text-align: left;">Tocaste-lhe, lembras-te do seu som? Oco dentro da luz</div><div style="text-align: left;">como o odre seco na terra escavada;</div><div style="text-align: left;">e o mesmo som no mar com os nossos remos.</div><div style="text-align: left;">O rei de Assini um vazio debaixo da máscara</div><div style="text-align: left;">por todo o lado connosco, debaixo de um nome:</div><div style="text-align: left;">«e Assini...e Assini...»</div><div style="text-align: left;"> e os seus filhos estátuas</div><div style="text-align: left;">e os seus desejos um esvoaçar de aves e o vento</div><div style="text-align: left;">nos espaços das suas reflexões e os seus barcos</div><div style="text-align: left;">atracados em porto que não se vê;</div><div style="text-align: left;">debaixo da máscara um vazio.</div><div style="text-align: left;"><br />
</div><div style="text-align: left;">Por detrás dos olhos grandes dos lábios curvos do cabelo</div><div style="text-align: left;"> encaracolado</div><div style="text-align: left;">relevos na cobertura de ouropel da nossa existência</div><div style="text-align: left;">um sinal obscuro que viaja como o peixe</div><div style="text-align: left;">pela serenidade alvorescente do mar e estás a vê-lo:</div><div style="text-align: left;">um vazio por todo o lado connosco.</div><div style="text-align: left;">E a ave que voou num outro inverno</div><div style="text-align: left;">com a asa quebrada</div><div style="text-align: left;">paradouro de vida,</div><div style="text-align: left;">e a jovem mulher que partiu para brincar</div><div style="text-align: left;">com os caninos do verão</div><div style="text-align: left;">e a alma que procurou os guinchos o mundo inferior</div><div style="text-align: left;">e o lugar como a grande folha de plátano que a torrente do</div><div style="text-align: left;"> sol arrasta</div><div style="text-align: left;">com os monumentos antigos e a tristeza contemporânea.</div><div style="text-align: left;"><br />
</div><div style="text-align: left;">E o poeta demora-se olhando as pedras e</div><div style="text-align: left;"> interroga-se</div><div style="text-align: left;">existem acaso</div><div style="text-align: left;">entre estas linhas estragadas as arestas os gumes</div><div style="text-align: left;"> os côncavos e as curvas</div><div style="text-align: left;">existem acaso</div><div style="text-align: left;">aqui onde se encontra a passagem da chuva do vento</div><div style="text-align: left;"> e do desgaste</div><div style="text-align: left;">existem o movimento do rosto o traçado do carinho</div><div style="text-align: left;">daqueles que diminuíram tão estranhamente dentro da nossa vida</div><div style="text-align: left;">desses que ficaram sombras de vagas e reflexões com</div><div style="text-align: left;"> a imensidade do mar</div><div style="text-align: left;">ou porventura não nada fica a não ser apenas o peso</div><div style="text-align: left;">a saudade do peso duma existência viva</div><div style="text-align: left;">aí onde agora sem substância ficamos vergando</div><div style="text-align: left;">como hastes do salgueiro abominável amontoadas dentro da lama</div><div style="text-align: left;"> juncaria arrancada</div><div style="text-align: left;">imagem de rosto que se tornou mármore na decisão de uma</div><div style="text-align: left;"> amargura para sempre.</div><div style="text-align: left;">O poeta um vazio.</div><div style="text-align: left;"><br />
</div><div style="text-align: left;">Com seu escudo o sol subia combatendo</div><div style="text-align: left;">e do fundo da caverna um morcego assustado</div><div style="text-align: left;">bateu na luz como a flecha sobre o escudo:</div><div style="text-align: left;">«e Assini e Assini...» Não seria ele o rei de</div><div style="text-align: left;"> Assini</div><div style="text-align: left;">que procuramos tão minuciosamente nesta acrópole</div><div style="text-align: left;">tocando por vezes com os nossos dedos o tacto deles</div><div style="text-align: left;"> sobre as pedras.</div><div style="text-align: left;"><br />
</div><div style="text-align: center;"><b>Assini, verão 38 - Atenas, Jan. 40</b></div><div style="text-align: center;"><b><br />
</b></div><div style="text-align: left;"></div><div style="font-weight: bold; text-align: left;">Yorgos Seferis</div><div style="text-align: left;"><i>Poemas Escolhidos</i></div><div style="text-align: left;">Relógio D'Água, 1993</div><div style="text-align: left;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: x-small;">Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratisinis</span></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1137006753510530912.post-76915576070378709962010-11-16T16:21:00.000+00:002010-11-16T16:21:42.706+00:00O velhoPassaram tantos rebanhos tantos pobres<br />
e ricos cavaleiros, outros<br />
das aldeias distantes passaram<br />
a noite nas valetas da estrada<br />
acenderam fogueiras contra os lobos, vês<br />
a cinza? Negrejantes círculos cicatrizados.<br />
Está cheio de marcas como a estrada.<br />
Ao poço seco mais acima atiravam os cães<br />
com raiva, não tem olhos está cheio<br />
de marcas e é leve; o vento sopra;<br />
não distingue nada conhece tudo,<br />
bainha vazia de cigarra em árvore oca<br />
não tem olhos nem nas mãos, conhece<br />
a alba e o ocaso conhece as estrelas<br />
o sangue delas não o alimenta, nem sequer<br />
está morto, não tem tribo, não morrerá<br />
esquecê-lo-ão simplesmente, nem sequer antepassado.<br />
As unhas cansadas nos seus dedos<br />
escrevem cruzes sobre lembranças podres<br />
enquanto o turvo vento sopra. Está a nevar.<br />
<br />
Vi a geada em redor dos rostos<br />
vi os lábios húmidos as lágrimas geladas<br />
no canto dos olhos, vi a linha<br />
de dor junto das narinas e o esforço<br />
nas raízes da mão, vi o corpo a acabar.<br />
Nem solidão tem esta sombra amarrada<br />
a um pau que secou que não verga<br />
não se baixa para se deitar, não pode;<br />
o sono espalharia as suas articulações<br />
pelas mãos das crianças para brincarem.<br />
Ordena como os ramos mortos<br />
que se partem quando anoitece e o vento<br />
acorda dentro os barrancos<br />
ordena às sombras dos homens<br />
não ao homem dentro da sombra<br />
que não ouve excepto a voz baixa<br />
da terra e do mar aí onde se juntam<br />
à voz do destino. Está completamente de pé<br />
na margem, entre novelos de ossos<br />
grades vazias esperando<br />
pela hora do fogo.<br />
<div style="text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><b>Drènòvô, Fevereiro 1937</b></span></div><div style="text-align: center;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><b><br />
</b></span></div><div style="text-align: left;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><b>Yorgos Seferis</b></span></div><div style="text-align: left;"></div><div style="text-align: left;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;"><i>Poemas Escolhidos</i></span></div><div style="text-align: left;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">Relógio D'Água, 1993</span></div><div style="text-align: left;"><span class="Apple-style-span" style="font-size: x-small;">Tradução de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratisinis</span></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1137006753510530912.post-59300674226647032032010-11-16T12:22:00.000+00:002010-11-16T12:22:00.990+00:00Cântico XIIIRenova-te.<br />Renasce em ti mesmo.<br />Multiplica os teus olhos, para verem mais.<br />Multiplica os teus braços para semeares tudo.<br />Destrói os olhos que tiverem visto.<br />Cria outros, para as visões novas.<br />Destrói os braços que tiverem semeado, <br />Para se esquecerem de colher.<br />Sê sempre o mesmo.<br />Sempre outro. Mas sempre alto.<br />Sempre longe.<br />E dentro de tudo.<br /><br /><br /><strong>Cecília Meireles</strong>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1137006753510530912.post-81065511248649009222010-11-15T21:07:00.002+00:002010-11-15T21:32:44.911+00:00Canto IE pois com a nau no mar,<br />Assestamos a quilha contra as vagas<br />E frente ao mar divino içamos vela<br />No mastro sobre aquela nave escura,<br />Levamos as ovelhas a bordo e<br />Nossos corpos também no pranto aflito,<br />E ventos vindos pela popa nos<br />Impeliam adiante, velas cheias,<br />Por artifício de Circe,<br />A deusa benecomata.<br />Assim no barco assentados<br />Cana do leme sacudida em vento<br />Então com vela tensa, pelo mar<br />Fomos até ao término do dia.<br />Sol indo ao sono, sombras sobre o oceano,<br />Chegamos aos confins das águas mais profundas,<br />Até o território cimeriano,<br />E cidades povoadas envolvidas<br />Por um denso nevoeiro, inacessível<br />Ao cintilar dos raios de sol, nem<br />O luzir das estrelas estendido,<br />Nem quando torna o olhar do firmamento<br />Noite, a mais negra, sobre os homens fúnebres.<br />Refluindo o mar, chegamos ao local<br />Premeditado por Circe.<br />Aqui os ritos de Perímedes e Euríloco e<br />«De escava a cova cobital escavo».<br />Vazamos libações a cada morto,<br />Primeiro o hidromel depois o doce<br />Vinho mais água com farinha branca.<br />E orei pela cabeça dos finados;<br />Em Ítaca, os melhores touros estéreis<br />Para imolar, cercada a pira de oferendas,<br />Um carneiro somente de Tirésias,<br />Carneiro negro e com guizos.<br />Sangue escuro escoou dentro do fosso,<br />Almas vindas do Erebus, mortos cadavéricos,<br />De noivas, jovens, velhos, que muito penaram;<br />Húmidas almas de recentes lágrimas,<br />Meigas moças, muitos homens<br />Esfolados por lanças cor de bronze,<br />Desperdício de guerra, e com armas em sangue<br />Eles em turba em torno de mim, a gritar,<br />Pálido, reclamei-lhes por mais bestas;<br />Massacraram os rebanhos, ovelhas sob lanças;<br />Entornei bálsamos, clamei aos deuses.<br />Plutão, o forte, e celebrei Prosérpina;<br />Desembainhada a diminuta espada,<br />Fiquei para afastar a fúria dos defuntos,<br />Até que ouvisse Tirésias.<br />Mas primeiro veio Elpenor, o amigo Elpenor,<br />Insepulto, jogado em terra extensa,<br />Membros que abandonamos em casa de Circe,<br />Sem agasalho ou choro no sepulcro,<br />já porque labutas nos urgiam.<br />Triste espírito. E eu gritei em fala rápida:<br />«Elpenor, como veio a esta praia escura?<br />Veio a pé, mais veloz que os marinheiros?»<br />E ele taciturno:<br />«Azar e muito vinho. Adormeci<br />Na morada de Circe ao pé do fogo.<br />Descendo a escadaria distraído<br />Desabei sobre a pilastra,<br />com o nervo da nuca estraçalhado,<br />O espírito procurou o Avernus.<br />Mas, ó Rei, me lembre, eu peço,<br />E sem agasalho ou choro,<br />Empilhe as minhas armas numa tumba<br />À beira-mar com esta gravação:<br /><span style="font-style: italic;">Um homem sem fortuna e com um nome a vir</span>.<br />E finque o remo que eu rodava entre os amigos<br />Lá, erecto, sobre a tumba.»<br />Veio Anticléia, a quem eu repelia,<br />E então Tirésias tebano,<br />Levando o seu bastão de ouro, viu-me<br />E falou primeiro:<br />«Uma segunda vez? Por quê? homem de maus fados,<br />Face aos mortos sem sol e este lugar sem gáudio?<br />Além do fosso! Eu vou sorver o sangue<br />Para profecia.»<br />E eu retrocedi,<br />E ele, vigor sanguíneo: «Odysseus<br />Deverás retornar por negros mares<br />Através dos rancores de Netuno,<br />todos os teus companheiros perderás.»<br />Depois veio Anticléia.<br />Divus, repouse em paz, digo Andreas Divus,<br />In officina Wecheli, 1538, vindo de Homero.<br />E ele velejou entre sereias ao<br />largo e além até Circe.<br />Venerandam,<br />Na frase em Creta, e áurea coroa, Afrodite,<br />Cypri munimenta sortita est, alegre, orichaldi, com dourados<br />Cintos, faixas no seios, tu, com pálpebras de ébano<br />Levando o ramo de ouro de Argicida. Assim:<br /><br /><br /><br /><span style="font-weight: bold;">Ezra Pound</span><br />Os Cantos<br />Assírio & Alvim, 2005<span style="font-size:85%;"><br />Tradução de José Lino Grünewald</span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1137006753510530912.post-81884189868442443992010-11-15T21:03:00.001+00:002010-11-15T22:18:40.002+00:00Mensagem aos adolescentesCrianças, experimentai fazê-lo em casa<br />e sabereis como é bom sem ninguém vos contar.<br />Recordai que não há nada que vos possam ensinar vossos pais.<br />Eles não são vós.<br /><br />Deitai-vos, bebei.<br />Há séculos que estas coisas acontecem<br />e ninguém demonstrou até agora<br />que sejam muito piores que a guerra.<br />Há um paraíso para lá dessa linha branca.<br /><br />Tudo o que faz mal e vós não fazeis,<br />crianças, estai-lo trocando pela serenidade.<br />Falaram-vos dela? Algum de vós sabe a que sabe?<br /><br />Se ignorais quem sois, evitai o rodeio<br />de averiguá-lo, juntai-vos aos outros. Um lugar no grupo<br />é um posto no mundo;<br />ora bem,<br />crianças,<br />erga lá a mão o que queira morrer sendo útil e sensato.<br />Lá está, não é nada divertido.<br /><br />Quanto ao resto, eu sei que não sois felizes,<br />quando menos pensáveis que todo o mundo vos odeia.<br />Pois é certo, mas não faltam motivos, sois jovens e<br />estúpidos e não tendes direito<br />a todo esse futuro que ides desperdiçar (como nós, aliás).<br /><br />Estais sós, é isso? Com efeito.<br /><br />Aprendei a ser livres, da mentira não fujais;<br />sabereis por experiência que é mais sólida<br />que qualquer verdade pactuada.<br /><br />E sobretudo,<br />meus lindos,<br />não deveis crer<br />que a vida vale a pena vivê-la<br />só por tal jurarem desde sempre os maiores cabrões.<br /><br /><br /><a href="http://minombre.es/joseluispiquero/poemas/"><strong>José Luis Piquero</strong></a><br /><a href="http://ruadaspretas.blogspot.com/2010/11/jose-luis-piquero-mensagem-aos.html">Tradução A.M.</a>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1137006753510530912.post-19164820768619712712010-11-15T12:55:00.000+00:002010-11-15T12:55:00.686+00:00Monólogo do vello traballadorAgora tomo o sol. Pero até agora <br />traballei cincoenta anos sin sosego.<br />Comín o pan suando día a día<br />nun labourar arreo.<br />Gastei o tempo co xornal dos sábados,<br />pasou a primavera, veu o inverno.<br />Dinlle ao patrón a frol do meu esforzo<br />i a miña mocedade. Nada teño.<br />O patrón está rico á miña conta,<br />eu, á súa, estou vello.<br />Ben pensado, o patrón todo mo debe.<br />Eu non lle debo<br />nin xiquera iste sol que agora tomo.<br />Mentras o tomo, espero.<br /><br /><br /><strong>Celso Emílio Ferreiro</strong>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1137006753510530912.post-35539158102882486392010-11-14T19:26:00.000+00:002010-11-14T19:26:00.625+00:00CriaçãoEstou vivo e de manhã surpreendi as estrelas.<br />A companheira dorme ainda e não sabe.<br />Dormem todos, os companheiros. O claro dia<br />vejo mais nítido que os rostos submersos.<br /><br /><br />Passa um velho à distância, a caminho do trabalho<br />ou a gozar a manhã. Não somos diferentes,<br />ambos respiramos o mesmo esplendor<br />e fumamos tranquilos para enganar a fome.<br />Também o corpo do velho deve ser puro<br />e vibrante – deveria estar nu ante a manhã.<br /><br /><br />Esta manhã a vida escorre-nos na água<br />e em terra: em torno o fulgor da água<br />sempre jovem e a descoberto os corpos de todos.<br />Haverá o grande sol e a aspereza da praça<br />e o rude cansaço que nos verga para o chão<br />e a imobilidade. Estará a companheira<br />- um segredo de corpos. E cada um dará sua coisa.<br /><br /><br />Não há voz que rompa o silêncio da água<br />de manhã. Nem nada vibrando sob o céu.<br />Apenas um calor que dissolve as estrelas.<br />Treme-se ouvindo vibrar a manhã virginal,<br />como se nenhum de nós estivesse acordado.<br /><br /><br /><strong>Cesare Pavese</strong><br /><a href="http://ruadaspretas.blogspot.com/2010/07/cesare-pavese-criacao.html">Tradução A.M.</a>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1137006753510530912.post-26735399831993092332010-11-14T12:49:00.002+00:002010-11-14T12:53:10.251+00:00MassaNo fim da batalha,<br />morto o combatente, apareceu-lhe um homem<br />dizendo: “Não morras, amo-te tanto!”<br />Mas o cadáver, ai, lá ia morrendo.<br />Então vieram dois e repetiram:<br />“Não nos deixes, coragem, volta para a vida!”<br />Mas o cadáver, ai, lá ia morrendo.<br />Acudiram então vinte, cem, mil, quinhentos mil,<br />clamando: “Tanto amor e nada poder contra a morte!”<br />Mas o cadáver, ai, lá ia morrendo.<br />Então rodearam-no todos os homens da terra;<br />olhou-os o cadáver triste, emocionado;<br />pôs-se em pé lentamente,<br />abraçou o primeiro homem; e começou a andar...<br /><br /><br /><a href="http://poesi.as/Cesar_Vallejo.htm"><strong>César Vallejo</strong></a><br /><a href="http://ruadaspretas.blogspot.com/2010/08/cesar-vallejo-massa.html">Tradução A.M.</a>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1137006753510530912.post-52296946310721609162010-11-13T11:50:00.000+00:002010-11-13T11:50:00.289+00:00Julguei passar meu tempoJulguei passar meu tempo<br />amando<br />e sendo amada<br />começo a dar-me conta<br />que o passei despedaçando<br />e sendo por meu turno<br />des<br />-pe<br />-da<br />-ça<br />-da.<br /><br /><br /><strong>Claribel Alegria</strong><br /><a href="http://ruadaspretas.blogspot.com/2006/10/claribel-alegria-cre-pasar-mi-tiempo.html">Tradução A.M.</a>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1137006753510530912.post-57222436876693463082010-11-13T06:30:00.002+00:002010-11-13T06:37:16.960+00:00<div style="text-align: justify;">«Mas ninguém se atrevia a dizer-lhe nada, porque todos o temiam. Sim, na idade em que a maior parte das pessoas se encolhem o mais que podem, como que para se desculparem de continuarem presentes, Louis fazia com que o temessem e comportava-se como bem lhe dava na gana. Até a sua jovem esposa renunciara a forçá-lo a arriar a bandeira, valendo-se da cona, esse ás de trunfo das mulheres novas. Porque sabia o que ele faria caso ela negasse a entreabrir-lha. Mais, Louis ia ao ponto de lhe exigir que lhe facilitasse a tarefa, servindo-se de meios que ela considerava frequentemente exorbitantes. E ao mais pequeno sinal de revolta da parte dela, ele ia ao lavadouro buscar a pá de bater e espancava-a até ela reconsiderar. Diga-se entre parênteses.»</div>(...)<br />
<br />
<b>Samuel Beckett</b><br />
<i>Malone está a morrer</i><br />
Dom Quixote, 1993<br />
Tradução de Miguel Serras PereiraUnknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1137006753510530912.post-59898242057781453552010-11-13T06:26:00.004+00:002010-11-13T06:37:03.193+00:00<div style="text-align: justify;">«Deixarei de responder às perguntas. Tentarei também não as fazer. Há-de ser possível enterrar-me, deixarei de ser visto à superfície. Daqui até lá fico a contar histórias de mim para mim, se for capaz. Não serão histórias do mesmo género que antes, mais nada. Serão histórias nem bonitas nem feias, calmas, nelas já não haverá fealdade, nem beleza, nem febre, será quase vida, como o artista. O que é que eu disse agora? Não tem importância. Prometo-me muita satisfação, uma certa satisfação. Estou satisfeito, aí está, estou pronto, reembolsam-me, já não preciso de nada. Deixem-me começar por dizer que não perdoo a ninguém. Desejo a todos uma vida atroz e depois as chamas e o gelo dos infernos e nas execráveis gerações vindouras uma memória honrada. Por esta noite basta.»</div>(...)<br />
<br />
<b>Samuel Beckett</b><br />
<i>Malone está a morrer</i><br />
Dom Quixote, 1993<br />
Tradução de Miguel Serras PereiraUnknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1137006753510530912.post-11425628978397208722010-11-12T19:03:00.004+00:002010-11-12T19:16:02.647+00:00Início de Agosto<div style="text-align: justify;">Início de Agosto. Há um ano atrás, eu estava na Rússia. O calor era intenso, as ruas de Moscovo ardiam, o céu estava sempre coberto por nuvens brancas, e por cima do campo de aviação os pilotos cruzavam-se, vacilavam e tornavam a juntar-se, como veleiros, momentos antes da tempestade. A juventude entusiasmava-se com os saltos de pára-quedas. De uma altura de cinco ou seis mil metros, os pára-quedistas lançavam-se na vertigem do vazio, deixavam-se cair como pedras e ao mesmo tempo cantavam, para não serem mortos pela pressão atmosférica. Aos nossos ouvidos chegavam fiapos do seu canto heróico. Depois, já muito perto do solo, já muito perto do cume prateado das torres de rádio, abriam o pára-quedas e aproximavam-se do solo devagar. Quanto tempo duraria? Minutos? Víamos como eles caíam, numa lentidão terrível, e como depois flutuavam. Tudo numa fracção de segundo. Uma proletária de dezassete anos lançou-se de uma altura de três mil metros e matou-se. Quando a encontraram, a mão agarrava com toda a força a asa da sacola, em vez do fio que abriria o pára-quedas. Terá sido proclamada «heroína do povo»?<br /><br /><br /><br /><span style="font-weight: bold;">Annemarie Schwarzenbach<br /></span><span style="font-style: italic;">Morte na Pérsia</span><br />Tinta-da-China, 2008<span style="font-weight: bold;"><br /></span><span style="font-size:85%;">Tradução de Isabel Castro Silva</span><span style="font-weight: bold;"><br /></span></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1137006753510530912.post-18071853084713663562010-11-12T09:44:00.000+00:002010-11-12T09:44:00.712+00:00PrecisãoO que me tranquiliza<br />é que tudo o que existe,<br />existe com uma precisão absoluta.<br />O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete<br />não transborda nem uma fração de milímetro<br />além do tamanho de uma cabeça de alfinete.<br />Tudo o que existe é de uma grande exatidão.<br />Pena é que a maior parte do que existe<br />com essa exatidão<br />nos é tecnicamente invisível.<br />O bom é que a verdade chega a nós<br />como um sentido secreto das coisas.<br />Nós terminamos adivinhando, confusos,<br />a perfeição.<br /><br /><br /><br /><strong>Clarice Lispector</strong>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1137006753510530912.post-4162540356706630132010-11-11T15:40:00.000+00:002010-11-11T15:40:00.146+00:00AdeusQualquer coisa esta tarde valia tanto<br />como a minha vida. Qualquer coisa pequena<br />se alguma há. Um martírio para mim esse ruído<br />sereno, sem escrúpulos, sem eco,<br />de teu sapato baixo. Que vitórias<br />busca quem ama? Porque são estas ruas<br />tão direitas? Nem olho para trás nem posso<br />já perder-te de vista. Esta é a terra<br />do escarmento, até os amigos<br />dão má informação. Minha boca beija<br />aquele que morre, aceitando-o. E a própria<br />pele dos lábios é a do vento. Adeus.<br />É útil norma, dizem, este sucesso. Fica<br />tu com as nossas coisas, tu, que podes,<br />que eu vou para onde a noite quiser.<br /><br /><br /><strong>Claudio Rodríguez</strong><br /><a href="http://ruadaspretas.blogspot.com/2010/05/claudio-rodriguez-adeus.html">Tradução A.M.</a>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1137006753510530912.post-67042232569889382282010-11-10T21:34:00.001+00:002010-11-10T21:37:40.541+00:00A paixãoSaímos do amor<br />como dum desastre aéreo<br />Tínhamos perdido a roupa<br />os documentos<br />a mim faltava-me um dente<br />e a ti a noção do tempo<br />Era um ano longo como um século<br />ou um século curto como um dia?<br />Por cima dos móveis<br />pela casa<br />só despojos quebrados:<br />copos retratos livros desfeitos<br />Éramos sobreviventes<br />duma derrocada<br />dum vulcão<br />de correntes enfurecidas<br />e despedimo-nos com a vaga sensação<br />de termos sobrevivido<br />mas não sabíamos para quê.<br /><br /><br /><strong>Cristina Peri Rossi</strong><br /><a href="http://ruadaspretas.blogspot.com/2010/06/cristina-peri-rossi-paixao.html">Tradução A.M.</a>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1137006753510530912.post-47668975755170918362010-11-10T21:28:00.002+00:002010-11-10T21:32:30.617+00:00InsóniaMadrid é uma cidade de mais de um milhão de cadáveres<br />(segundo as últimas estatísticas).<br />De noite às vezes eu reviro-me e entro<br />neste nicho em que apodreço há 45 anos,<br />passando longas horas a ouvir gemer o furacão, ou ladrar os cães,<br />ou correr brandamente a luz do luar.<br />E longas horas passo gemendo como o furacão,<br />ladrando como um cão enfurecido,<br />correndo como o leite do ubre quente duma grande vaca amarela.<br />E passo longas horas interrogando Deus,<br />perguntando por quê minha alma apodrece lentamente,<br />por quê apodrece mais de um milhão de cadáveres nesta cidade<br />de Madrid,<br />por quê no mundo apodrecem lentamente mil milhões de cadáveres.<br />Diz-me, que horto queres adubar com a nossa podridão?<br />Temes que se te sequem os grandes roseirais do dia,<br />as tristes açucenas letais de tuas noites?<br /><br /><br /><strong>Dámaso Alonso</strong><br /><a href="http://ruadaspretas.blogspot.com/2010/02/damaso-alonso-insonia.html">Tradução A.M.</a>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1137006753510530912.post-76748800879361010992010-11-09T20:53:00.003+00:002010-11-09T20:57:49.998+00:00Em suma<div style="text-align: justify;">Um a um foram saindo de cena<br />os companheiros. Partiam, com a tarde,<br />para fins empobrecidos,<br />na rota dos eleitos para filhos e despesas.<br />As noites faziam-se livrescas,<br />estendiam sobre mim o seu império<br />de silêncios e desfalques.<br /><br />Entretanto, engrossava o meu diário<br />de rasuras, de cálculos moídos,<br />partilhado por verrinas e recados<br />sem resposta. Bebia o desalento<br />por canecas de latão, corria<br />as persianas. É muito pouca sorte.<br /><br />Os versos, com o tempo, tornavam-se mais longos,<br />cresciam para trás, para fora<br />dos cadernos, ocupavam a minha vida<br />tal a morte na semente de madeira.<br />Afeiçoava-me isso sim à solidão, cortava<br />o negativo dos afectos, protegido na cabeça<br />por um chapéu de feltro;<br />pois essas são as coisas e as coisas<br />que ontem nos pareciam boas<br />não existem.<br /><br /><br /><br /><span style="font-weight: bold;">José Miguel Silva<br /></span><span style="font-style: italic;">Vista para um Pátio seguido de Desordem<br /></span>Relógio d'Água, 2003<span style="font-weight: bold;"><span style="font-weight: bold;"></span><span style="font-style: italic;"><span style="font-weight: bold;"></span></span></span><br /></div>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1137006753510530912.post-44260976747521619892010-11-09T19:20:00.001+00:002010-11-15T01:18:34.871+00:00já que sentir é primeiro<br />
quem presta alguma atenção<br />
à sintaxe das coisas<br />
nunca há-de beijar-te por inteiro;<br />
<br />
por inteiro ensandecer<br />
enquanto a Primavera está no mundo<br />
o meu sangue aprova,<br />
e beijos são melhor fado<br />
que sabedoria<br />
senhora eu juro por toda a flor: Não chores<br />
- o melhor movimento do meu cérebro vales menos que<br />
o teu palpitar de pálpebras que diz<br />
<br />
somos um para o outro: então<br />
ri, reclinada nos meus braços<br />
que a vida não é um parágrafo<br />
<br />
E a morte julgo nenhum parêntesis<br />
<br />
<br />
<b>e.e. cummings</b><br />
<i>xix poemas</i><br />
Assírio & Alvim, 1998<br />
<span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">Tradução de Jorge Fazenda Lourenço</span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1137006753510530912.post-5754319465419137562010-11-09T19:17:00.002+00:002010-11-09T19:17:47.069+00:00algures aonde eu nunca viajei, alegremente além de<br />
qualquer experiência, os teus olhos têm o seu silêncio:<br />
no teu gesto mais frouxo há coisas que me prendem,<br />
ou que não posso tocar de tão próximas que estão<br />
<br />
o teu mínimo olhar há-de facilmente desprender-me<br />
embora eu me tenha cerrado como dedos,<br />
tu sempre me abres pétala a pétala como abre a Primavera<br />
(tocando hábil, misteriosamente) a primeira rosa<br />
<br />
mas se teu desejo for encerrar-me,eu e<br />
minha vida fecharemos em beleza,de repente,<br />
como quando o coração desta flor imagina<br />
a neve em tudo cuidadosa descendo;<br />
<br />
nada do que existe para ser sentido neste mundo iguala<br />
o poder da tua extrema fragilidade: cuja textura<br />
me submete com a cor dos seus domínios,<br />
representando a morte e para sempre em cada alento<br />
<br />
(eu não sei o que é que há em ti que fecha<br />
e abre;apenas alguma coisa em mim entende<br />
a voz dos teus olhos mais profunda que todas as rosas)<br />
ninguém, nem mesmo a chuva, tem tão finas mãos<br />
<br />
<br />
<b>e.e. cummings</b><br />
<i>xix poemas</i><br />
Assírio & Alvim, 1998<br />
<span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">Tradução de Jorge Fazenda Lourenço</span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1137006753510530912.post-42166590025620262652010-11-08T21:07:00.000+00:002010-11-08T21:07:36.109+00:00Eco tardioSós com a nossa loucura e a flor referida,<br />
Vemos que não há mais nada sobre que escrever.<br />
Ou antes, é preciso escrever sobre as mesmas coisas de sempre,<br />
Do mesmo modo, repetindo vezes sem conta as mesmas coisas,<br />
Para que o amor continue e a pouco e pouco vá mudando.<br />
<br />
Colmeias e formigas têm de ser eternamente reexaminadas<br />
E a cor do dia aplicada<br />
Centenas de vezes e variada do verão para o inverno<br />
Para que o seu ritmo desça ao de uma autêntica<br />
Sarabanda e ela aí se feche sobre si mesma, viva e em paz.<br />
<br />
Só nessa altura a crónica desatenção<br />
Das nossas vidas nos poderá envolver, conciliadora<br />
E com um olho posto naquelas longas opulentas sombras amareladas<br />
Que falam tão fundo para o nosso mal preparado conhecimento<br />
De nós próprios, máquinas falantes dos nossos dias.<br />
<br />
<br />
<b>John Ashbery</b><br />
<i>Uma onda e outros poemas </i><br />
Quetzal, 1991Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1137006753510530912.post-15355838601885996632010-11-08T21:06:00.001+00:002010-11-09T13:57:08.517+00:00A luz da tarde era como mel nas árvores<br />
Quando me deixaste e caminhaste até ao fim da rua<br />
Onde subitamente acabava o pôr-do-Sol.<br />
A ponte levadiça bolo-de-noiva desceu<br />
Sobre a frágil flor de miosótis.<br />
Tu subiste para bordo.<br />
<br />
Horizontes ardidos de súbito revestidos de pedras douradas,<br />
Sonhos que eu tive, alguns com suicídios,<br />
Enchem agora o balão de ar quente.<br />
Está a rebentar, vai rebentar não tarda,<br />
Com qualquer coisa invisível<br />
Só durante os dias.<br />
Nós ouvimos, e por vezes aprendemos,<br />
Tão juntos,<br />
<br />
E fazemos descer o sangue, e outras coisas assim.<br />
Foi então que os museus se tornaram generosos, vivem na nossa respiração.<br />
<br />
<br />
<b>John Ashbery</b><br />
<i>Uma onda e outros poemas </i><br />
Quetzal, 1991Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1137006753510530912.post-2379068448630827152010-11-08T02:32:00.000+00:002010-11-08T02:32:18.080+00:00Última estaçãoPoucas foram as noites de luar de que gostei.<br />
O a-bê-cê dos astros que se soletra<br />
Tal como o traz o penar do dia que se fina,<br />
Dele se tirando novos sentidos e novas esperanças, mais claramente pode ler-se.<br />
Agora que aqui estou desocupado a meditar, poucas luas me ficaram na memória;<br />
As ilhas, a dorida cor da Virgem, o lento declinar<br />
Do luar nas cidades do norte, que por vezes lança<br />
Nas ruas agitadas, nos rios, nos membros dos homens,<br />
Um pesado torpor.<br />
No entanto, ontem à noite, neste nosso último cais<br />
Onde aguardamos que amanheça a hora do regresso<br />
Como uma antiga dívida, uma moeda que ficasse durante anos<br />
No cofre dum avarento, e por fim<br />
Chegasse o momento de pagar e se ouvissem<br />
Os cobres a tilintar na mesa,<br />
Nesta aldeia tirrena, por detrás do mar de Salerno<br />
Por detrás dos portos do regresso, no fim<br />
Duma borrasca de Outono, a Lua furou as nuvens<br />
E as casas na encosta da outra margem fizeram-se esmalte.<br />
Silêncios que a lua ama.<br />
<br />
Também isto é um rosário de pensamentos, um modo<br />
De começarmos a falar das coisas que se confessam<br />
Dificilmente, quando já não se aguenta mais, a um amigo<br />
Que se escapou às ocultas e traz<br />
Novas das casas e dos companheiros,<br />
E nos apressamos a abrir-lhe o coração,<br />
Não vá o exílio alcançá-lo e mudá-lo.<br />
Viemos das Arábias, do Egipto, da Palestina, da Síria;<br />
O estado de Comagena, que se apagou como uma pequena lanterna<br />
Muitas vezes volta ao nosso espírito,<br />
E as grandes cidades que viveram milhares de anos,<br />
Delas só restando pastagens de búfalos,<br />
Campos de cana-de-açúcar e de milho.<br />
Viemos da areia do deserto, do mar de Proteu,<br />
Almas maculadas de públicos pecados,<br />
Cada um com seu cargo, como o pássaro na gaiola.<br />
O Outono chuvoso nesta fossa<br />
Inflama a ferida de cada um de nós<br />
Ou, por outras palavras talvez, o destino fatal<br />
Ou simplesmente os maus hábitos, a fraude e o embuste,<br />
Ou ainda a cobiça do sangue dos outros.<br />
Facilmente se tritura o homem na guerra<br />
O homem é frágil, é um molhe de ervas,<br />
Lábios e dedos que desejam branco peito,<br />
Olhos semi-cerrados no esplendor do dia<br />
E pernas que correriam, mesmo tão cansadas,<br />
Ao mais pequeno assobio do lucro.<br />
<br />
O homem é frágil e sedento como a erva,<br />
Insaciável como a erva, e os seus nervos são raízes que alastram.<br />
Quando é tempo de colheita,<br />
Prefere que as foices silvem em seara alheia,<br />
Quando é tempo de colheita,<br />
Uns gritam para esconjurar o demónio,<br />
Outros perdem-se nas riquezas, outros peroram;<br />
Mas, esconjuros, riquezas e retórica,<br />
Quando os vivos estão longe, de que servem?<br />
Talvez o homem seja outra coisa?<br />
Talvez não seja isto que transmite a vida?<br />
Há um tempo para semear, há um tempo para colher.<br />
<br />
De novo e sempre o mesmo, dir-me-ás, amigo.<br />
Contudo, o pensamento do exilado, o pensamento do prisioneiro, o pensamento<br />
Do homem que também se viu reduzido a mercadoria<br />
Tenta mudar-lho, que não consegues.<br />
Queria, se calhar, ser rei dos antropófagos<br />
Desbaratar forças que ninguém procura<br />
E passear pelos campos de agapantos<br />
E ouvir os batuques debaixo dos bambus<br />
Enquanto os cortesãos dançam com máscaras grotescas<br />
Mas a Terra que massacram e queimam como um pinheiro e que vês,<br />
Ou no vagão escuro, sem água, partidas as vidraças, durante noites e noites,<br />
Ou no barco incendiado que há-de naufragar como ensinam as estatísticas,<br />
Tudo isso criou raízes no espírito e não muda,<br />
Tudo isso floriu imagens parecidas às árvores<br />
Que lançam na floresta virgem seus ramos<br />
Que voltam a cravar-se na terra e a florir<br />
E lançam ramos e voltam a florir e galgam léguas e léguas,<br />
Uma floresta virgem de folhas mortas é o nosso espírito.<br />
<br />
E se te falo por fábulas e parábolas,<br />
É porque assim são mais doces ao teu ouvido e porque o terror<br />
Não se fala, que é coisa viva,<br />
Que é coisa muda e avança sem parar;<br />
Goteja todo o dia, goteja durante a noite<br />
A dor das recordações.<br />
<br />
Falemos de heróis, falemos de heróis: o Michális<br />
Que fugiu com feridas abertas do hospital<br />
Talvez estivesse a falar de heróis, na noite<br />
em que, arrastando os pés pela cidade velada,<br />
Gritava e tocava a nossa dor: “Pela escuridão<br />
È que vamos, pela escuridão avançamos…”<br />
Os heróis avançam na escuridão.<br />
<br />
Poucas são as noites de luar de que gosto.<br />
<br />
<br />
<b>Yorgos Seferis</b><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">Tradução de Manuel Resende</span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-size: x-small;"><a href="http://www.triplov.com/poesia/olimpo/seferis.htm">daqui</a></span>Unknownnoreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-1137006753510530912.post-73831243755863577382010-11-06T19:21:00.002+00:002010-11-06T20:39:56.508+00:00Memória I<div style="text-align: center;"><i>And there was no more sea.</i></div><br />
E eu apenas com uma cana nas mãos.<br />
A noite estava deserta, a lua minguante,<br />
a terra cheirava à última chuva.<br />
Sussurrei: memória onde quer que toques,<br />
só há um pequeno céu, não há mais mar,<br />
o que eles matam de dia eles carregam nas carroças e despejam <br />
<span class="Apple-style-span" style="color: white;">........</span> Atrás do cume.<br />
<br />
Eu estava dedilhando esta tubulação distraidamente;<br />
um velho pastor deu por mim porque eu disse boa-noite<br />
<span class="Apple-style-span" style="color: white;">..........</span>para ele.<br />
Os outros aboliram todos os tipos de saudação:<br />
eles acordam, fazem a barba, e começam o dia a trabalhar no abate<br />
como uma ameixa seca, de forma metódica e sem<br />
<span class="Apple-style-span" style="color: white;">..........</span> Paixão;<br />
a tristeza está morta como Pátroclo, e ninguém comete um erro.<br />
<br />
Pensei em tocar uma música e depois senti-me envergonhado em frente<br />
<span class="Apple-style-span" style="color: white;">........... </span>Do outro mundo<br />
aquele que me observa além da noite dentro<br />
da minha luz<br />
tecidos de corpos vivos, corações nus<br />
e o amor que pertence às Fúrias<br />
como pertence ao homem e à pedra e à água e à grama<br />
e para o animal que olha directamente no olho da<br />
aproximação à morte.<br />
<br />
Então, eu continuei no caminho escuro<br />
e virei para o meu jardim e cavei e enterrei a cana<br />
e novamente sussurrei: alguma manhã a ressurreição<br />
<span class="Apple-style-span" style="color: white;">........</span> Virá,<br />
a luz do amanhecer florescerá vermelha como as árvores brilham na primavera,<br />
o mar vai nascer de novo, e arremessará outra vez a onda<br />
<span class="Apple-style-span" style="color: white;">........</span> Diante de Afrodite.<br />
Nós somos a semente que morre. E entrei na minha casa vazia.<br />
<br />
<br />
<br />
<b>Yorgos Seferis</b><br />
<i>Collected Poems (1924 - 1954)</i><br />
Yale University Press, 1971<br />
<span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">Tradução de Luís Filipe Nunes </span><br />
<span class="Apple-style-span" style="font-size: small;">a partir da versão inglesa de Edmund Kelley e Philip Sherrard</span>Unknownnoreply@blogger.com0