«Devant une neige un être de beautê de haute taille. (...)
Oh! nos os sont revêtus d'un nouveau corps amoreux.»
(Rimbaud)
a noite estava de uma espessura de texto; como se todos
os poemas estivessem acordados, insones e nus pelo dentro
da noite. mas eu estava no avesso da noite, onde eu próprio
me aconteceria como um poema que outra diversa, obscura
mão desenhasse em mim.
olhos gastos de trovoadas na cabeça, atravessava a
floresta de palavras da cidade. doíam-me na cabeça sonhos
distantes que me cosiam os sonos desde tanto. e eu
atravessado pela cidade banho lustral de espadas e de
símbolos anúncios do teu diferente rosto, na proa do navio
para que soubesse o rumo das distâncias; e,
simultaneamente, que esse mesmo rosto-distância fosse o
meu destino.
no teatro das coisas vulgares, sentei-me e tu apenas
surgiste. mas no reino invulgar dos escravos do sentido, da
nossa corporal fraternidade de bêbados do anoitecer,
surgiste como se eu fosse, desde um sempre, a tua verdadeira
língua.
- sim. podes beijar-me os sonos porque sou eu
precipitados pelo texto um contra o outro, mar revolto
despindo o mar aberto, matéria do real verdadeiro, cumpria-
se o poema: «être de Beauté, "Being Beautous", que «des
sifflements de mort et des cercles de musique sourde font
monter, s'élargir et trembler comme um spectre ce corps
adoré».
tão real esta renegação, este encontro do vulto para
além de mim, o teu silêncio a beber do meu, este tempo de
mentiras criadas, esta taxativa e mortal carne negação da vida
mais clara.
- preciso que digas o nosso mesmo nome
o tempo - tem tempo dentro? a cidade tinha palavras
demais - e nós não podíamos palavras. corri o frio das noites
à procura da tua palavra. o seu cerco tomou-me os dias pela
garganta.
como uma flor do sono te guardo. tão impossível, o real.
Pedro Sena-Lino
as flores do sono - prelúdios e fugas
Litera Pura, 2000
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