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é altura de perguntar se estamos no inferno, se nada é possível,
se uma pequena letra confunde as estações e os abismos,
se acordo de um sonho em trânsito directo para o pesadelo.
Veja: basta dizê-lo. É muito fácil
acreditar em mim, como se fora um marco telegráfico
que o vento oscila, e corre por dentro
atravessado de vozes, obscuro como um rio transparente,
misturando, no fundo, nuvens, pássaros, limos.

Tudo o leva a crer: o silvo automóvel de ninguém na névoa,
as promessas quebradas, mãos de gesso segurando os patins e o lanche frio
                                                                                           [da véspera,
o desamor tão rápido, e as máquinas onde os dedos repetem batem
na produção de parafusos. Ou palavras com ar de parafusos,
metálicas, brilhantes, úteis perfeitamente
indispensáveis às comunidades e seus cinco mil intérpretes.
E ao fim da tarde todos se deitam nos tapetes húmidos de pó eterno
e oram ao deus da morte enquanto passam as notícias.

E eu impassível descendente
de obscuros francos valencins
que faço inverno dentro no banquete, relógio
incerto a dar as horas quando chega ao fim? O meu inferno
é de onze meses, basta. Quero acordar de mim,
ser de repente o bosque posto em orla
da lisa pista fria. E que surpresa, a mão hábil do vento,
a máscara de nuvens presa rente! nem sei em que ficamos:



António Franco Alexandre
Poemas
Assírio & Alvim, 1996

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