uma vez desaparecido o observador todas as coisas se despenham
em direcção ao buraco na pedra visível imóvel grotesco como uma entranha
aí vão dar os sulcos paralelos na neve e o olhar surdo do falcão
as matilhas de cães na orla do rio o uivo do lobo na beira do penhasco
o pulso impaciente dos corredores deitados na esteira, trocando
minúsculos papéis com destinos a lápis,
voltará não voltará tudo conta e o olhar das mulheres do outro lado do muro
e o passo breve do relâmpago e o futuro a explodir dentro das coisas das
palavras das casas
e o mundo flutua inteiro no ar
o maior cansaço abre-se diante de nós apetecível com ninguém dentro
acabar-se o pequeno engano este mundo não é o nosso mundo, dizes bem mas
do mundo que não é nosso só conheço a brusca pancada quando corta
a pura raiz do ar E o mundo flutua inteiramente só
coisas inexistentes me acordam como portas abertas fechadas
o abraço móvel da carne
Enquanto o mundo, sei, é um inferno descolorido para além das coisas nun-
[ca vistas,
uma transparência quando sofremos ou quando desejamos
o inexplicável instante da partida. Os corredores, dispostos
em colunas compactas, olham serenamente
o horizonte flexível, vibrante, soando as súbitas pancadas do trovão longínquo,
percorrendo velozes o silêncio da neve eternamente caindo sobre coisa nenhuma,
a terra respirando inteira, como uma folha pousada do lado de fora da noite,
e o seu bafo impaciente, que a luz azul mistura,
António Franco Alexandre
Poemas
Assírio & Alvim, 1996
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