Hoje a mãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem.
Recebi um telegrama do asilo: «Sua mãe falecida. Enterro
amanhã. Sentidos pêsames.» Isto não quer dizer nada. Tal-
vez tenha sido ontem.
    O asilo de velhos fica em Marengo, a oitenta
quilómetros de Argel. Tomo o autocarro das duas horas e
chego lá à tarde. Assim posso passar a noite a velar e
estou de volta amanhã à noite. Pedi dois dias de folga ao
meu patrão e, com uma razão destas, ele não mos podia
recusar. Mas não estava com um ar lá muito satisfeito.
Cheguei mesmo a dizer-lhe. «A culpa não é minha.». Não
respondeu. Pensei então que não devia ter dito estas 
palavras. A verdade é que eu não tinha nada que me
desculpar. Ele é que tinha de me dar os pêsames. Mas com
certeza o fará, depois de amanhã, quando me vir de luto.
Por agora, é um pouco como se a mãe não tivesse morrido.
Depois do enterro, pelo contrário, será um caso arrumado e
tudo passará a revestir-se de um ar mais oficial.
(...)

Albert Camus
O Estrangeiro
Livros do Brasil, 2001
Tradução de António Quadros

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