os que amei sempre foram predispostos ao destino de personagens, como me seduz a invenção que à noite o hax faz acontecer contra os pequenos delitos da insónia, para que uma voz não oscile e eu não me aperceba de que há uma razão definitiva para o terror, amanheço ainda bêbedo de um álcool que é um lábil sentimento e recordo-te no seu interior com um nome acutilante, conheci muitos corpos e algumas vezes te esqueci nos seus périplos, mas nenhum foi o de definitivamente te perder, tu vivias neles como um sorriso, um sítio inclinado e surpreso onde a frase recomeça
quem me dera escrever um romance, uma história de segredos, porém desertou-me a lembrança de pradarias, cascatas e espaços cénicos: há só este prego no pulmão, área reduzida onde nada acontece que não seja dor, o ritmo do ar atravessado por uma linha perfurante que organiza a exacta amplitude do movimento do meu peito, as suas marés, sobre mim, a luz declina para a sua própria sombra num crepúsculo que me aterroriza porque não o posso amar, escrevo então o livro interminável
sonho-te a voz mais do que o corpo e vou até ela devagar, gosto de ouvir a vocálica sombra sinuosa e perder-me na sua incandescência
o mundo só repete o tempo inicial, percorri a ironia mas voltei para ver a tua face: um resíduo
extinguir-me é recordar-te
tu viveste o suficiente para eu desesperar, não só do teu rosto quase impensável, também de mim, na ruína matinal do espelho, quando me vejo nele, é em todo o tempo, deus que observa a sua morte
vivo cada palavra, corroo o cálcio da folha, uma criação anunciada. Dizê-la. E enveredar pelos sons multiformes desse mundo.
a mão escreve a palavra enorme da visão, transgride o branco reduzido, assusta com o seu movimento o deambular íngreme do céu, é um deus peregrino com a vida no côncavo interior da sua febre.
o quarto, tão alto, cujo tecto é um pequeno céu
o mundo só repete o tempo inicial, percorri a ironia mas voltei para ver a tua face: um resíduo
extinguir-me é recordar-te
tu viveste o suficiente para eu desesperar, não só do teu rosto quase impensável, também de mim, na ruína matinal do espelho, quando me vejo nele, é em todo o tempo, deus que observa a sua morte
vivo cada palavra, corroo o cálcio da folha, uma criação anunciada. Dizê-la. E enveredar pelos sons multiformes desse mundo.
a mão escreve a palavra enorme da visão, transgride o branco reduzido, assusta com o seu movimento o deambular íngreme do céu, é um deus peregrino com a vida no côncavo interior da sua febre.
o quarto, tão alto, cujo tecto é um pequeno céu
Rui Nunes
Osculatriz
Relógio D´Água, 1992
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