XX

Alguém o viu na última estação da
linha do oeste, quando o norte se perde
de destino. Enviaram gente à sua procura,
saíram do comboio no primeiro apeadeiro antes
do inverno; estavam bêbados; esquecidos

do seu nome. Não ficara nem uma alma no cais.
Ausentou-se no tempo. Gentil-homem pelo fim
da Renascença. Colete justo de veludo
junto ao pescoço estreita gola rendada. Cabelo
revolto, barba cerrada a expressar o desejo de

um fio de prata. Vazou água num copo de vidro
grosso, facetado, feito aos dedos. Humedeceu
os lábios primeiro e bebeu de seguida. Era como
se não respirasse. Único ruído, o dos seus passos
sobre o saibro; nem o canto sequer de um pássaro.

Antes de cair a noite chegou ao cenotáfio de
ferro ao fim do jardim. A erosão do terreno extraía
múltiplas raízes. As plantas secavam. Os animais
domésticos morriam. O copo de faces que se fazia
aos dedos ficou sobre a mesa de pedra. Fora de

todo o tempo esperava; mas em vão
coisa alguma existia nessa praça maior. Atrás de si
batia um porta de damasco verde.


João Miguel Fernandes Jorge
Mãe-do-Fogo
Relógio D`Água, 2009

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