Aos meus vivos

Mortos somos
para um tempo pardo e taciturno
que nos lê para sem culpa
mais rapidamente nos esquecer.

Terra, ossadas, pó.
Onde o nosso legado
de palavras?

Na memória de um ou outro amigo
também ele silencioso e altivo?
Ou jazendo a um canto
da secção de perdidos e achados
de uma qualquer cidade de província?

Sobre os nossos rostos descarnados
constroem túneis, vias rápidas, casas
onde outros trairão
julgando que estão a amar. Como saber

quando o caminho é feito de perdas, pedras,
mondas e colheitas de fim de estação:
ecos tardios, fruta sem sabor?

Talvez mudar de ramo ou esperar o último verso.



Jorge Gomes Miranda
Este Mundo, Sem Abrigo
Relógio D´Água, 2003

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