«A sua infância foi um país ocupado por entidades detestáveis que impediam as árvores de lhe falar. (Mais tarde, na adolescência, imaginou que engravidara de um limoeiro – ou foi o perfume do seu sexo que o sonhou, ou foi o perfume do seu sexo que foi sonhado, talvez pelo limoeiro.)
Nunca pôde amuar, como as flores se fecham com a noite. Obrigavam-na a sorrir educada, perfiladamente, espetavam-lhe duas bofetadas e obrigavam-na a levantar a cabeça, a erguer os olhos pesados de choro, e a gordura das lágrimas caía-lhe pela face e ouvia-se no chão.
A sua infância é um país ocupado até hoje.
(A sua vida pareceu-lhe sempre uma longa convalescença. Ou qualquer coisa que lhe foi emprestada. Uma presença emprestada – para quê? A existência parecia-lhe apenas um estado sólido da tristeza mais absoluta. Ou talvez lhe faltasse apenas paciência para viver. Vive por engano? Se morreu, quer saber. Se vive, quer saber. Espera um sinal de si própria. Espera algo que, dentro dela, arda mais alto do que ela. Um signo que, ao erguer-se, toque e faça girar uma constelação.)»
Nuno Rocha Morais
Últimos Poemas
Quasi Edições, 2009
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