«Tal foi o amor que Helena, então com dezassete anos, inspirou a Jules Branciforte. Era um seu vizinho muito pobre, que habitava uma casa miserável construída na montanha a um quarto de légua da cidade, no meio das ruínas de Alba e à beira do precipício de cento e cinquenta pés, coberto de verdura, que rodeia o lago. Esta casa, que tocava as magníficas árvores de Faggiola, foi demolida quando se construiu o convento de Palazzuola. Este pobre rapaz apenas tinha de seu um ar vivo e lesto, e a inconsciência com que suportava a sua triste sorte. O que melhor se pode dizer em seu favor é que tinha uma fisionomia expressiva, sem ser bela. Porém, dizia-se que tinha combatido valentemente sob as ordens do príncipe Colonna entre os seus bravi, em duas ou três empresas muito perigosas. Apesar da pobreza e da ausência de beleza, as raparigas de Albano não pensavam assim e Jules era um grande conquistador dos seus corações. Bem recebido em toda a parte, Jules Branciforte apenas tivera amores fáceis, até ao momento em que Helena regressou de Castro.
(…)
Helena, perdida de amor, quis provar ao apaixonado que não tinha vergonha da sua pobreza e que a confiança que tinha na sua honra não tinha limites. «Quem acreditaria nisto? – interrogava-se o autor florentino, que depois de tantos encontros audaciosos e sujeitos a uma morte terrível, ocorridos no jardim e uma ou duas vezes no quarto de Helena, esta ainda era virgem?» Confiante na sua virtude, propôs a Jules sair do palácio, por volta da meia-noite e ir passar o resto da noite na pequena casa construída sobre as ruínas de Alba, a mais de um quarto de légua de distância. Disfarçaram-se de monges franciscanos. Helena tinha o corpo esguio e, assim vestida, parecia um noviço de dezoito ou vinte anos. O que é incrível e marca bem o dedo de Deus, é que, no estreito caminho aberto na rocha e que passa ainda contra o muro do Convento dos Capuchinhos, a Jules e Helena disfarçados de frades, depararam-se-lhes o senhor Campireali e seu filho Fábio que, seguidos por quatro criados bem armados, voltavam de Castel Ganddolfo, burgo situado nas margens do lago não longe dali. Para deixar passar os dois amantes, os Campireali e os criados afastaram-se para as bermas do caminho, que deve ter uns oito pés de largura. Como teria sido melhor para Helena ter sido reconhecida naquele momento! Teria sido morta pelo pai com um tiro e o seu suplício apenas teria durado um instante, mas o Céu já tinha decidido outra coisa (superis aliter visum)».
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Helena, perdida de amor, quis provar ao apaixonado que não tinha vergonha da sua pobreza e que a confiança que tinha na sua honra não tinha limites. «Quem acreditaria nisto? – interrogava-se o autor florentino, que depois de tantos encontros audaciosos e sujeitos a uma morte terrível, ocorridos no jardim e uma ou duas vezes no quarto de Helena, esta ainda era virgem?» Confiante na sua virtude, propôs a Jules sair do palácio, por volta da meia-noite e ir passar o resto da noite na pequena casa construída sobre as ruínas de Alba, a mais de um quarto de légua de distância. Disfarçaram-se de monges franciscanos. Helena tinha o corpo esguio e, assim vestida, parecia um noviço de dezoito ou vinte anos. O que é incrível e marca bem o dedo de Deus, é que, no estreito caminho aberto na rocha e que passa ainda contra o muro do Convento dos Capuchinhos, a Jules e Helena disfarçados de frades, depararam-se-lhes o senhor Campireali e seu filho Fábio que, seguidos por quatro criados bem armados, voltavam de Castel Ganddolfo, burgo situado nas margens do lago não longe dali. Para deixar passar os dois amantes, os Campireali e os criados afastaram-se para as bermas do caminho, que deve ter uns oito pés de largura. Como teria sido melhor para Helena ter sido reconhecida naquele momento! Teria sido morta pelo pai com um tiro e o seu suplício apenas teria durado um instante, mas o Céu já tinha decidido outra coisa (superis aliter visum)».
Stendhal
Crónicas Italianas
Editorial Estampa, 1980
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