A terceira manhã II

É de novo uma manhã do mundo: Dormia leve no sono
e sente que te levantaste. Procura-te e estás ali na varanda
da frente. Está frio e dizes que tens calor.
Fumamos contra o negro que reflui muito lento.
O estarmos ali os dois é um vago som de um rio entre nós.
Até que quase de súbito se expande um branco baço –
é a névoa do dia que começa. Apagam-se as luzes de presença
depois os candeeiros na rua. O céu, a montanha, o rio
e a ruína que a todos interrompe são apenas tons
de um branco que fosse uma imensa paz ou
uma morte quase
quase já reconhecida.

Pássaros e gatos povoam o pequeno mundo de aloendros,
palmeiras e silvas, cujas cores escrevem a névoa branca
que as apaga esquece e escuta.
Aquele procura alguma coisa perto da sebe que guarda a ruína.

Entre a febre e o frio somos também nós que nascemos?
ou estamos já morrendo?



Manuel Gusmão
Teatros do Tempo
Editorial Caminho, 2001

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