Nem um verbo me move

Isto é uma natureza morta: o teu compasso
de espera, mênstruo,
contra o priapismo do cálamo.
Tenho velas de aço para os teus ventos
de papel, para a dispersão
dos vocativos. Eu queria estar mais contente
se soubesse haver razões para isso,
depor-te a aporia destes dias
e trabalhar com novas certezas.
Em vez disso skaters faíscam
no centro da minha passagem, no meio
da minha vida
e a sua navegabilidade incondicional
desliza nesta aspereza da retina.

E isto é classe média: o cancro
como solução final; um fecho de braguilha
não esconde o faro latejante dos cães,
a trovoada latente.
Sou o homem do tempo, sou o homem do tempo.
Ando a tentar segurar este grande
aguaceiro que previ, de capote ando
a tentar pospor o optativo
porque na boca levo o gosto do desgosto
e tão sensíveis as papilas ao seu gosto.
Sou o homem do tempo, sou o homem do tempo.
Nem um verbo me move
desta irredutibilidade em desejar.



Daniel Jonas
Os Fantasmas Inquilinos
Livros Cotovia, 2005

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