A falta saliente

Obstinadamente invisto contra uma corrente contrária
que obstinada investe contra mim uma musa
de saliente fala. Libertar-me bem queria mas não sei
se o medo se a circunstância se a melancolia
me treme quando só o lance resolvia, me limita
quando a imensidão pedia, me oxida o aço à porfia.
Tudo à volta me comprime numa mesquinha condição
e O’Neill às vezes não existem teu machado de língua afiada,
tuas ensinadas varinas de sinuosas varizes,
tuas empenadas narinas de empinados narizes,
às vezes O’Neill é só o vazio e suas raízes.

Obstinadamente busco um país que me maravilhe,
um país de maravilhas. Não esta portugalice do ali borda-se,
gato à janela, lindo postal, calçadas e motivos, velhos desdentes,
sim sim, já agora, num sei, sei lá, pois bem, já cá não mora.

Obstinadamente busco um país sem história para contar;
confiar que haverá uma mesa e um lugar
onde se perspectivem coisas depois do dia oblongo e da cidadela
tomada; essa mesa e esse lugar nem sequer meus.

Busco qualquer coisa outra coisa que não esse, isso. Busco

a tépida esfera, a plúmbea fonte ou afundar os dedos
num sôfrego e talvez abster-me na insistência
quando a dúvida fosse um sólido na tua cabeça
e já não houvesse tampões para o horror,
talvez sim então sim talvez abster-me.
Os teus poetas não me valem,
os teus poetas não se lhes dá que eu morra.
E esta pluma é um xamã que arde sem se ver
na mandíbula dorida de apertar a palavra,
inexistente sílaba da oclusão. Se houvesse
uma goteira a preservar da noite o cerrar do livro!
Se houvesse maneira de não morrer!

Insisto obstinada e dementemente busco um país.
Esqueço-me da corrente que acomete, falha a previsão
é um fusível, um grifo alcandorado nos cabos de alta tensão.
Penas pesadas as dos mitómanos: serem investidos
numa sociedade sem grifos
onde galifões beijam com saliva viperina
o lábio rubro do inocente efebo
e lambuzam a mordiscadela posterior
com desvelo clínico e libações ordinárias.
Este é o teu país O’Neill, que destrói as ondas e as praias
e descura feridas individuais de beijos sociais,

o mensageiro do amor que as vagas tala
a trazer-te a proposta disjuntiva sem saída:
se a cana do nariz intacta
então a cana de pesca partida.



Daniel Jonas
Os Fantasmas Inquilinos
Livros Cotovia, 2005

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