Também o que é eterno

Também o que é eterno morre um dia.
Eu tusso e sinto a dor que a tosse traz;
O doutor quer por força a ecografia,
Mas eu não estou para tantas precisões.

Eu rio à morte com um riso largo:
Morrer é tão banal, tão tem que ser!
Disto ou daquilo, que me importa a mim?
Mas, ó horror, com fotos, não, nem documentos!

A tanta exactidão mata o mistério.
O pH, o índice quarenta...
Não quero as pulsações, os eritrócitos,
O temeroso alzaimer, ou o cancro,
Nem sequer o tão raro, do coração.

Ver o pulmão, o peito aberto, o coração,
A palpitar a cores no computador?
Eu morro, eu morro, não se preocupem,
Mas sem saber, de gripe, ou duma coisa,
Ou doutra coisa.


Manuel Resende
o mundo clamoroso, ainda
Angelus Novus, 2004

2 comentários:

mar disse...

este poema é de uma intensidade enorme. gosto sobretudo de me rever, é um espelho. tinha saudades de mim.
obrigada nuno*

p.s. há poemas que são gripes, ou mortes ou sítios nenhuns.

Anónimo disse...

muy interesante