Origem

É preciso queimar os livros e calarmo-nos
Esta é a matéria bárbara a matéria viscosa
Aqui a vida conduz a uma ruptura
a mão procura a suavidade firme
tacteia e segue as suas linhas de força as primícias de um acorde

Fascinante ameaça
veneno que oculta vida nova
uma seiva já
um sabor dos gestos que tremem e que sabem

A palavra mais viva é a mais inesperada é a palavra nua

Eis o domínio interdito e obscuro
impenetrável
balbuciante memória do que não é a memória
luz que irriga as coisas em vez de de as iluminar
sinal de uma madrugada de uma irradiação múltipla
Aqui começará o meu ritmo a minha melodia
Respiro já pela garganta do poema

Deixamos a segurança e a certeza
ante o arco da única pergunta
Somos a ruptura e o fluxo na falha
e subimos talvez para
a vertente de um silêncio que ascende constelado

Subversiva é a respiração desta palavra
surpresa de um ritmo e de um espaço
numa terra sem caminho

É um fogo líquido que abrasa este trajecto
Uma fé muscular uma fé lúcida
faz latir estas palavras subterrâneas

Para chegar às palavras que dão vida
por um desenlace uma inconfessável evidência
Uma plenitude? Uma luz? Uma pobreza?
Numa terra queimada as crianças que brincam na poeira
Eis a poesia do efémero a fluidez vivaz
Pára detém-te junto deste muro arruinado
perto de uma pedra Palpa o grão de luz
segregada Toca nessa crepitação porosa
Modela na origem a matéria dos sinais

Escreve mas para dissipar o que está escrito



António Ramos Rosa
O poeta na rua
Quasi Edições

9 comentários:

bruno vilar disse...

Este poema é uma explosão estelar.

Bem-vinda à equipa, Susana A. .

. disse...

muito obrigada pela recepção :)

e o poema é de facto brutal

Frederico Salema disse...

Pelo título do poema, diria mesmo um big bang.

Ora então muito bem-vinda.

L.N. disse...

sim bela escolha. esta menina é uma mais valia para este espaço. *

Liliana Gonçalves disse...

bem-vinda Susana A.

uma primeira escolha, muito aprazível de ler. Estonteante, mesmo...

e,

"Respiro já pela garganta do poema"

Beijo.

. disse...

muito obrigada a todos, até fiquei tonta com as boas vindas :)

especialmente para ti, josé s, big bang foi precisamente aquilo que pensei quando li este poema

bruno vilar disse...

A mim a sequência psicadélica do 2001- Odisseia no Espaço.

. disse...

o mérito é todo do ARR que tem o dom de causar estas sensações, leiam-no

Gisela Rosa disse...

lindo este poema!
"uma fé muscular uma fé lúcida", a do poeta!

Um abraço, Gisela