(...)
Enquanto isso o canalha escrevia o livro. Falsificava meu vocabulário, meus pensamentos e devaneios, o canalha inventava meu romance autobiográfico. E a exemplo da minha caligrafia forjada em seu manuscrito, a história por ele imaginada, de tão semelhante à minha, às vezes me parecia mais autêntica do que se eu próprio a tivesse escrito. Era como se ele tivesse imprimido cores num filme que eu recordava em preto-e-branco, oh, Kósta, essa festa de Ano-Novo, essa canção do Egipto, esse alemão sem pêlos, eu não suportava mais escutar aquilo. E uma noite, na cama, saltei sobre Kriska, atirei longe o livro, segurei-a pelos cabelos e assim quedei, arfante. O autor do meu livro não sou eu, queria lhe dizer, mas a voz não me saía da boca, e quando saiu foi para falar: é só a ti que tenho. E Kriska sussurrou: hoje não;



Chicobuarque
Budapeste
Publicações Dom Quixote

3 comentários:

António Gregório disse...

Este livro é uma delícia :)

moriana disse...

concordo, deliciosamente delicioso :)

Street Fighting Man disse...

esse livro é tão poderoso e redentor :)