O ar de um dia há dez anos vivido em terra estranha,
de um momento remoto que adeja e vai-se, anjo de Deus;
voz de mulher por cautela esquecida, a duras penas;
desolação do fim, crepúsculo de pedra num Setembro.
Casas novas, clínicas poeirentas, janelas leprosas, lojas funerárias…
Quem sabe o que sofre um farmacêutico sensível no plantão
da noite ?
O quarto em desordem: gavetas, janelas, portas bocejam, feras más.
Um homem fatigado deita as cartas, mede os astros, perquire-se,
procura,
inquieta-se. Batem à porta: ah, quem vai abri-la? Aberto o livro,
quem lê? Aberta a alma, quem vê?
Onde o amor que desconcerte o uno tempo e o corte em dois?
Palavras só, e gestos, mudo monólogo ao espelho, sob a ruga.
Gota de tinta num lenço, o tédio espalha-se.
Morreram todos a bordo, mas o barco persegue a ideia que o segue
desde o porto.
As unhas do capitão, como cresceram…E o armador barbudo que
tinha três amantes em cada escala…
O mar incha sem pressa, as velas pavoneiam-se e o dia já se abranda.
Três golfinhos negrejam, cintilantes; a sereia sorri; um marinheiro
esquecido acena lá da gávea.
Yorgos Seferis
In Rosa do Mundo – 2001 Poemas Para o Futuro
Assírio & Alvim, 2001
Tradução de José Paulo Pães
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