A poesia como o amor faz-se na cama
Os seus lençóis desfeitos são a aurora das coisas
A poesia faz-se nas matas
Tem todo o espaço de que precisa
Não este mas o outro condicionador por
O olho do milhafre
O orvalho sobre a cavalinha
A lembrança duma garrafa de Traminer embaciada em bandeja de prata
Uma alta vara de turmalina sobre o mar
E a estrada da aventura mental
Que sobre o prumo
Pára e fica logo coberta de mato
Isto não se apregoa a quatro ventos
Não é conveniente deixar a porta aberta
Ou chamar testemunhas
Os cardumes de peixes os bandos de melharucos
Os carris à entrada duma grande estação
As luzes das duas margens
Os sulcos do pão
A espuma da ribeira
Os dias do calendário
O hipericão
Acto de amor e acto de poesia
São incompatíveis
Com a leitura do jornal em voz alta
O sentido do raio de sol
O clarão azul que liga as machadadas do lenhador
O fio do papagaio de papel em forma de coração ou de laço
O batimento ritmado da cauda dos castores
A diligência do relâmpago
O arremesso de confeitos do alto das velhas escadas
A avalanche
A câmara dos sortilégios
Não cavalheiros não é a oitava Câmara
Nem os vapores da camarata ao domingo à noite
Os passos de dança transparentes por cima dos mares
A demarcação na parede dum corpo de mulher ao lançar de punhais
As claras volutas do fumo
Os anéis do teu cabelo
A curva da esponja das Filipinas
Os nós da serpente vermelha
A entrada da hera nas ruínas
Tem todo o tempo à sua frente
O abraço poético como o abraço carnal
Enquanto dura
Impede toda a fugida sobre a miséria do mundo
André Breton
poemas
Assírio & Alvim, 1994
Tradução de Ernesto Sampaio
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