Bestas de carga atravessam o planalto da linguagem
mudas, de olhos fechados, indefesas face à atracção
do abismo. Que sabem elas dos segredos da poesia?
Da exigência de novidade absoluta que aguenta
qualquer certeza do nosso espírito?
Diante do enigma, eis como nos definimos:
perscrutadores de longo curso,
cansados da vida percorrer
para descobrir no passado
algum sentido. As morsas,
na praia, já há muito se retiraram -
e as correntes cobriram-se de folhas
que lhes permitem suportar
o seu destino. Entretanto
estranhas árvores crescem-
-nos nos pulmões: grainhas
que alguém lançou ao vento
para que uma mão
as confunda no crepúsculo.
Fernando Guerreiro
Outono
Black Sun editores, 1998
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