Pai

  Estava farto de estar sentado naquele café com o pai. Queria brincar com um miúdo da sua idade ou desaparecer dali para fora sem dar explicações, sem ouvir berros de um imbecil. Naquela manhã, as mulheres que passavam pelos seus olhos encontravam-se especialmente desejáveis. Se o velho o deixasse em paz, ainda poderia colocar em questão o recurso ao piropo para iludir a fome do sexo que o acompanhava desde a nascença. Mas o homem estava ali.
  «Não comes nada?», perguntou o pai.
  «Não», respondeu o filho.
  Não era bem encarado, aquele pai. As rugas não enganavam: não era de confiança.
  «Come e cala-te.»
  «Não consigo», disse a criança, «dói-me a barriga.»
  «Pede um copo de água ao empregado de balcão», sentenciou o pai.
  O miúdo queria realmente sair dali. Estava pouco preocupado com as torradas, com o café, com o leite ou com o velho rezingão que nunca o deixava sossegar. Queria mulheres, esfregar-se nas pernas delas, lamber os mamilos delas, sentir o cheiro do cabelo e do perfume delas. O velho poderia morrer que ele só se importava com o cheiro das fêmeas.
  O pai acendeu um cigarro. Deu três baforadas. A sua expressão facial, que costumava ser parecida com a de um agente soviético da guerra fria, tornava-se agora mais agradável. Adivinhava-se-lhe um pequeno sorriso nos lábios.
  «Não me trates desse modo», pediu o homem mau.
  «Gosto mais da mãe.»
  «Gostarias de dormir com ela?»
  «Não sejas porco. Odeio-te.»
  O sorriso desapareceu do rosto do homem. Apagou o cigarro no copo de água do filho e deixou a beata a boiar como um cadáver, ordenando: «Bebe.» O rapaz tinha vontade de chorar mas bebeu a água e engoliu a ponta do cigarro.
  «Estás mais contente?», perguntou o pai.
  «Ficarei mais contente quando chegar a hora da tua morte.»


Paulo Rodrigues Ferreira
Ítaca n.º2

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