A estátua de Lautréamont
No pedestal de comprimidos de quinino
Em campo raso
O autor das Poesias está deitado de bruços
E perto dele vigia o helodermo suspeito
A orelha esquerda contra a terra é uma redoma
Ocupada por um relâmpago o artista não se esqueceu de lhe pintar por cima
o globo azul celeste em forma de cabeça de turco
O cisne de Montevideu de asas abertas sempre pronto a batê-las
Quando se trata de atrair do horizonte os outros cisnes
Descerra sobre o falso universo dois olhos de cores diferentes
Um de sufalto de ferro sobre o parreiral das pestanas o outro de barro diamantífero
Contempla o grande hexágono em funil onde depressa se crisparão as máquinas
Que o homem se obstina em cobrir de ligaduras
Reaviva com a vela de rádio as profundezas do crisol humano
O sexo de plumas o cérebro de papel vegetal
Preside às cerimónias duas vezes nocturnas celebradas para desviar o fogo e inverter
os corações do homem e do pássaro
A qualidade do convulsionário dá-me acesso a ele
As mulheres deslumbrantes que me introduzem na carruagem estofada a rosas
Onde uma cama de rede entrançada com os seus cabelos me está reservada
Para sempre
Recomendam antes de partir que não apanhe frio a ler o jornal
Parece que a estátua junto da qual a grama das minhas terminações nervosas
Chega ao seu destino é afinada todas as noites como um piano
André Breton
poemas
Assírio & Alvim, 1994
Tradução de Ernesto Sampaio
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