No entanto, eu era muito mau poeta.
Não sabia ir até ao fim.
Tinha fome.
E todos os dias e a todas as mulheres dos cafés
    e a todos os copos
Gostaria de bebê-los e parti-los
E a todas as montras e a todas as ruas
E todas as casas e todas as vidas
E a todas as rodas dos fiacres que rodavam
    em turbilhão pelas más estradas
Gostaria de mergulhá-los numa fornalha de gládios
E triturar todos os ossos
E arrancar todas as línguas
E liquefazer todos os enormes corpos estranhos e nus
    sob vestimentas que me transtornam...
Pressentia a vinda do grande Cristo Vermelho
    da revolução russa...
E o sol era uma chaga terrível
Que se abria como um braseiro.

Nesse tempo estava eu na adolescência
Tinha apenas dezasseis anos e já não me lembrava
    do meu nascimento
Estava em Moscovo, onde queria alimentar-me
    de chamas
E não estava farto das torres nem das estações
    que os meus olhos constelavam
Na sibéria troavam canhões, era a guerra
A fome o frio a peste a cólera
E as águas lamacentas do Amor arrastavam
    milhões de cadáveres
Via partir em todas as estações os últimos comboios
Já ninguém podia partir porque não havia bilhetes
E os soldados que partiam gostariam de ficar...
Um velho monge cantava a lenda de Novgorode.

Eu, o mau poeta que não queria ir a lado nenhum,
    podia partir para toda a parte
E os comerciantes também pois possuíam dinheiro
    suficiente
Para irem tentar fazer fortuna.
O comboio deles partia todas as sextas-feiras
    de manhã.
Dizia-se que havia muitos mortos.
Um levava cem caixas de despertadores e cucos
    da Floresta Negra
Outro, caixas de chapéus, cilindros e um sortido
    de saca-rolhas de Sheffield
E um outro, ataúdes de Malmöe cheios de latas
de conserva e de sardinhas e azeite
E havia muitas mulheres
Mulheres entre pernas para alugar que podiam
    também servir
Caixões
Pagavam todas imposto
Dizia-se que havia por lá muitos mortos
Elas viajavam a preços reduzidos
E tinham todas conta-corrente no banco.


Blaise Cendrars
Poesia em Viagem
Assírio & Alvim, 2005
Tradução de Liberto Cruz

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