Gritar

O panarício produz um sofrimento atroz. Mas o que mais me fazia sofrer era não poder gritar. Pois eu estava num hotel. A noite acabava de descer, e o meu quarto ficava entalado entre outros dois onde pessoas dormiam.
Então, comecei a tirar do crânio grandes tambores, cobres, e um instrumento que ressoava mais que um órgão. E aproveitando a força prodigiosa que a febre me dava, organizei uma orquestra ensurdecedora. Tremia tudo com as vibrações.
Depois, tendo enfim a certeza de que naquele tumulto a minha voz não se ouviria, pus-me a urrar, a urrar horas a fio, e consegui a pouco e pouco aliviar-me.


Henri Michaux
As minhas propriedades
Fenda,1998
Tradução de José Carlos González

1 comentário:

Helena Figueiredo disse...

Olá Luis,
vou anexar o seu blogue à minha lista de blogues preferidos.
Saudações
Helena