A criação artística, no que tem de mais íntimo, tão pessoal se afirma que constitui um jardim cerrado (...) No espaço da criação não podem entrar sem abuso nem a autoridade, nem o público, nem o próprio indivíduo, sem esse limpar dos pés à entrada e deixar, depois, vestes, mensagens, segundas intenções no bengaleiro. É a pessoa que cria, não o sócio de uma agremiação desportiva, nem o membro de um partido político. Escreve para além do momento que passa quem escreve com todo o seu peso; sem que o desequilibre para fora da sua base de sustentação um vínculo de circunstância, despido de densidade humana para permanecer. A ideologia que atenta contra a liberdade humana, à força de tornar absoluto aquilo que de sua natureza é relativo, o movimento literário, a publicidade curiosa que desventra e prostitui, o cenáculo, o salão, a excentricidade e o exibicionismo constituem, as mais das vezes, outros tantos atentados contra o trabalho alheio ou próprio.



Ruy Belo
Na Senda da Poesia
Assírio & Alvim, 2002

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