Jogo-medeia

Da teia desce uma cama que é disposta ao alto. Duas  figuras de mulher com máscaras mortuárias trazem uma rapariga para o palco e colocam-na de costas para a cama. Vestem a noiva. Atam-na à cama com o cinto do vestido de noiva. Duas figuras de homem com máscaras mortuárias trazem o noivo e colocam-no de frente para a noiva. Ele faz o pino, anda com as mãos no chão, faz a roda à frente dela, etc.; ela ri sem se ouvir. Ele rasga o vestido de noiva e toma posição encostado a ela. Projecção: sexo. Com os farrapos do vestido de noiva as máscaras mortuárias masculinas amarram as mãos, as máscaras mortuárias femininas os pés da noiva à cama. O reste serve de mordaça. Enquanto o homem, diante do público (feminino) faz o pino, anda com as mãos no chão, faz a roda, etc., a barriga da mulher incha até rebentar. Projecção: parto. As máscaras mortuárias femininas tiram da barriga da mulher uma criança, desamarram-lhe as mãos, põem-lhe o filho nos braços. Ao mesmo tempo, as máscaras mortuárias masculinas carregam de tal modo com armas o homem que ele já só consegue andar de gatas. Projecção: morte. A mulher arranca o rosto, desmembra a criança e lança os pedaços na direcção do homem. Da teia caem sobre o homem escombros membros entranhas.


Heiner Müller
O anjo do desespero
Relógio D´Água, 1997
Tradução de João Barrento

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