Despedida

Despeço-me da minha mão
que pôde apontar a passagem do raio
ou a quietude das pedras
sob as neves de antanho.

Para que voltem a ser bosques e areias
digo adeus ao papel branco e tinta azul
donde surgiam os rios indolentes,
porcos na rua, moinhos vazios.

Despeço-me dos amigos
em que mais confiei:
os coelhos e as mariposas,
as nuvens de farrapos do verão,
minha sombra que soía falar-me em voz baixa.

Despeço-me das Virtudes e Graças do planeta:
Os fracassados, as caixas de música,
os morcegos que ao anoitecer se desfolham
dos bosques de casas de madeira.

Digo adeus aos amigos silenciosos
que só querem saber onde
podem beber um copo de vinho,
para quem os dias são pretexto apenas
para entoar canções fora de moda.

Despeço-me duma rapariga
que sem me perguntar se a amava ou não amava
andou comigo e deitou-se comigo
numa tarde dessas cheias de fumo
de folhas a arder nas bermas
Despeço-me duma rapariga
cujo rosto vejo em sonhos
iluminada pelo olhar triste
de comboios partindo sob a chuva.

Despeço-me da lembrança
e também da saudade
- água e sal de meus dias vazios –

e bem assim me despeço destes poemas:
palavras, palavras – um pouco de ar
movido pelos lábios – palavras
para ocultar quiçá a única verdade:
que respiramos e deixamos de respirar.


Jorge Teillier
Tradução A.M.

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