(Considerações de Ovídio acerca do seu desterro)


Todos se lembravam bem que ele era o romano, o exilado, o poeta. Onde 
estava sepultado? Mas, acaso, há uma lei que obrigue a que se responda
a um estrangeiro se este pergunta pelo paradeiro de outro estrangeiro? 

Christoph Ransmayr, O último mundo


Onde está esse homem que veio de Roma, o estrangeiro? Não
o sabemos. Todas as raízes convergem para o mesmo sítio. Talvez
                                                                                              [seja
o lugar onde esperamos encontrar uma planta que das próprias
                                                                                        [folhas
recebia a origem. Quem assim ficou sepultado não tem quaisquer
limites, confunde-se com o ar, com a brisa. Reconhecemos
que está para além de si mesmo, finalmente disperso
no seu pólen ou em qualquer reflexo esquecido de outros
olhares. A brisa passou de novo. Há quem se afaste nos caminhos
para encontrar o seu destino; e veremos como se torna maior
esta distância que ficou prometida, só para que se encontre
o que julgamos ser igual à sua ausência. Sempre
foi assim... De que serve este esforço para se ter uma outra espécie
de conhecimento, o que vai dissipar-se no vidro das janelas, espesso
e sem novas imagens? Talvez continue a mesma suspeita, Pode ser
                                                                                               [ali,
nesta terra revolta, suspensa sobre a noite e destinada
ao exílio, que se levanta um rosto ainda mais simples para ser igual
ao de um homem qualquer. Vemos as suas únicas feições, a curva
imóvel das pálpebras. Se ele era estrangeiro, nós o que seremos?


Fernando Guimarães 
Lições de Trevas
Quasi Edições, 2002

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