O sonho de uma língua comum

VIII

Consigo ver-me há anos em Sunion,
doendo-me de um pé infectado, Filoctetes,
em forma de mulher, coxeando o longo caminho,
deitada num promontório sobre o mar escuro,
olhando pelas rochas vermelhas até onde uma espiral silenciosa
de brancura me dizia que uma onda tinha rebentado,
imaginando a força daquela água lá das alturas,
sabendo que suicídio deliberado não era comigo,
mas o tempo todo cuidando, medindo aquela ferida.
Pois bem, tudo isso acabou. A mulher que prezava
o seu sofrimento está morta. Sou a sua descendente.
Amo o tecido cicatrizado que me legou,
mas quero partir daqui contigo
combatendo a tentação de fazer da dor uma carreira.


Adrienne Rich
Uma Paciência Selvagem
Livros Cotovia, 2008
Tradução de Maria Ramalho e Monica Andrade


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