O hospital dorme. A queimadura
desperta. O seu corpo, como um parque
abandonado...

*

__Estás deitada numa cama, de onde
o sofrimento sobe até ao céu, até ao
céu sem encontrar adeus... de onde o
sofrimento desce até ao fundo do
inferno, até ao fundo do inferno
sem encontrar o demónio.

*

__Quase não deu pelo caminho. O
primeiro segundo mostrou o abismo.
O seguinte precipitava-a nele.


*


__Do lado de cá ficámos atónitos.
Não tivemos tempo para dizer adeus.
Não tivemos tempo para uma promessa.
__Ela tinha desaparecido do filme
desta terra.

*

__O que está só volta-se para a
parede à noite, para te falar. Ele sabe o
que te animava. Vem partilhar o dia.
Observou com os teus olhos. Ouviu
com os teus ouvidos. Tem sempre
coisas para ti.

*

Quem sabe se neste preciso momento
tu não estás à espera, ansiosa, que eu
enfim compreenda, e que venha, longe
da vida onde já não estás, juntar-me a
ti, pobremente, pobremente, decerto,
sem meios, mas nós dois ainda, nós
dois...


Henri Michaux
Nós dois ainda
Bonecos Rebeldes, 2009
Tradução de Rui Caeiro

Sem comentários: