Ao leitor

O meu único desejo, oh Homem, é ter contigo afinidades!
sejas tu negro, acrobata, ou repouses ainda no fundo seio maternal,
quer o teu canto de virgem se ouça pelo pátio, ou manobres a tua jangada no brilho das trindades,
sejas tu soldado ou aviador pleno de resistência e de ânimo vital.

Trazias também uma espingarda com banda verde a tiracolo, quando eras criança?
ao disparar, saía do cano a rolha presa, sem perigo.
Homem, meu semelhante, quando eu canto a lembrança,
não me resistas, vem desfazer-te em lágrimas comigo!

Porque eu passei por todos os destinos. E sei apreciar
O que sente a solitária harpista na banda musical,
O que sente a tímida governanta em estranho círculo familiar,
O que sente a debutante, tremendo ante a caixa do ponto teatral!

Eu vivi na floresta, fui funcionário do Estado,
servi fregueses impacientes, andei curvado sobre livros de caixa,
estive como fogueiro em frente de caldeiras, de rosto intensamente incendiado
e, quando moço de fretes, comi restos de cozinha, e o que mais se acha.

Por isso, pertenço-te, e a todos os demais!
Peço-te que não tentes insistir!
Oh, quem dera, Irmão, que eu pudesse cair
Um dia nos teus braços fraternais!


Franz Werfel
A Alma e o Caos - 100 poemas expressionistas
Relógio D` Água, 2001
Tradução de João Barrento

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