Gabardina de Inverno, no Verão
fato cinzento claro, com gravata.
Bonachão, irrascível, autoritário,
recordo-o já de cabelo branco.
Cara larga, sobrancelhas cheias
e muito hirsutas, que beliscava
amiúde ao entrar em Babia.
Caído o nariz, breve, carnoso.
Tão grato lhe era o sabor do café
que não sei quantos tomava por dia.
E à mesa, como gozava.
Nunca mais vi prazer igual ao seu,
tal como jamais vi alguém com o sono
tão fácil – dois minutos, de pé, até na missa.
Como cantava mal e com que ilusão
quando estava contente. Acho que
herdei dele esta virtude.
Foi um trabalhador incansável.
Guarda o calor minha mão da sua,
os dois passeando nos raros dias
que os seus afazeres o deixavam livre.
Depois que cresci, deu-se o que deu.
A sua idade avançada, a minha rebeldia,
a intransigência mútua, o desencontro.
Aparece-me em sonhos com frequência
e nem neles me fala. Eu tento fazê-lo
nestes versos que estais lendo agora.
Fernando Ortiz
Moneditas
(1996)
Tradução A.M.
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